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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)

E se a Amazônia for o próximo alvo de Trump?

Governo Lula precisa se preparar para um presidente americano intimidador e um Elon Musk em busca de vingança contra o STF

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 jan 2025, 11h29

E se depois de ameaçar tomar o Canal do Panamá, a Groenlândia e o Canadá, Donald Trump anunciar uma intervenção na Amazônia brasileira? Mais que retórica, afinal, ninguém é capaz de prever qual será o novo alvo verbal do futuro presidente americano, a pergunta deveria ser o ponto de partida de como o governo Lula deve se preparar para as futuras relações dos dois países.

É patética a ideia de alguns assessores de Lula de que, como ele teve uma boa química pessoal com o republicano George W. Bush, poderá também surpreender com Trump. Bush e Lula se identificaram porque ambos diziam se sentir menosprezados pela elite de seus países e Bush tinha tido uma impressão ruim do intelectualismo de FHC. Trump, por sua vez, teve uma relação calorosa com Jair Bolsonaro, e vê em Lula tudo o que rejeita: relação especial com a China, apoio à regulação estatal no ambiente de negócios, primeira-dama woke, histórico de sindicalista e declaração de voto em Kamala Harris. Os ouvidos de Trump estão tomados por assessores que conhecem o Brasil e o governo Lula através da família Bolsonaro, sem contar a oportunidade que o novo governo dará a Elon Musk para se vingar de Alexandre de Moraes.

Em artigo para a revista Foreign Affairs, o expert em relações internacionais Brian Winter ironizou o fato de que por muitos anos a elite latino-americana reclamava de que a Casa Branca nunca prestava atenção suficiente no subcontinente. “Como diz o velho ditado, cuidado com o que você deseja. O segundo mandato de Donald Trump parece destinado a focar mais atenção na América Latina do que qualquer administração dos EUA em talvez 30 anos, incluindo o primeiro mandato do presidente eleito. A razão é direta: as principais prioridades domésticas de Trump — combater a imigração não autorizada, interromper o contrabando de fentanil e outras drogas ilícitas, e reduzir o influxo de produtos chineses nos Estados Unidos — dependem fortemente de políticas voltadas para a América Latina. Seu mandato eleitoral mais forte do que o esperado (vencendo o voto popular e com controle de ambas as casas do Congresso), juntamente com o aumento substancial nos fluxos de migrantes e narcóticos desde que ele ocupou a Casa Branca pela primeira vez, significa que Trump estará ainda mais encorajado do que antes para pressionar os governos latino-americanos a o ajudarem a alcançar seus objetivos. Ele recorrerá, se necessário, a medidas punitivas, incluindo tarifas, sanções e talvez ações militares limitadas, como ataques com drones contra cartéis mexicanos, para tentar conseguir o que deseja”.

É verdade que as maiores ameaças de Trump no primeiro mandato — como obrigar o México a pagar por um muro de mais de 3 mil quilômetros entre os dois países e a ameaça de deixar o Nafta — foram diluídas ao longo do tempo, mas igualmente é fato que esta administração se inicia com muito mais musculatura. Trump retornou ao poder com 77,96 milhões de votos populares, acumulou a maior vantagem no Colégio Eleitoral deste século e assume o governo com controle simultâneo de Câmara, Senado e Suprema Corte. A humilhante adesão do Facebook ao trumpismo na semana passada é um sintoma de um medo real da elite empresarial em como lidar com o futuro governo. O espaço para a neutralidade acabou, como mostra a corrida das grandes corporações em abandonar a agenda ESG ou qualquer postura que possa ser confundida como woke.

No caso da América Latina, o segundo mandato não terá vozes moderadas, como o genro Jared Kushner e o ex-chefe de gabinete John Kelly, que ajudaram a convencer Trump a não fechar unilateralmente a fronteira com o México ou retirar-se do NAFTA. As vozes mais próximas em temas latino-americanos serão de falcões, como o próximo conselheiro de segurança nacional Mike Waltz, que como congressista defendeu autorizar o uso da força militar dos EUA contra cartéis mexicanos, e o novo secretário de Estado, Marco Rubio, que vive na realidade paralela do macartismo.

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É a influência do todo-poderoso Elon Musk que pode transformar o Brasil em alvo provável de um governo Trump. Depois de enfrentar (e perder) o conflito com o ministro Alexandre de Moraes, que suspendeu a rede social X justamente na eleição municipal, Musk agora tem musculatura para uma vingança épica. O pretexto usado por Mark Zuckerberg na semana passada para liberar o vale-tudo no Facebook foi o mesmo argumento falso de Musk: a existência de “tribunais secretos” para responsabilizar as plataformas pelo conteúdo nas redes. É previsível um cenário no qual os EUA decidam sancionar o Brasil pelas decisões do STF que prejudicam os negócios de Musk e Zuckerberg.

Acima de tudo, existe a China. O futuro assessor especial para a América Latina do governo Trump será o investidor de private equity Mauricio Claver-Carone, que recentemente propôs a aplicação de uma tarifa de 60% sobre quaisquer importações para os Estados Unidos que passem pelo novo porto peruano de Chancay, construído e administrado pela China.

No ano passado, o governo Lula assinou um contrato para que a chinesa SpaceSail ofereça serviço de internet de alta velocidade transmitida por satélites de baixa órbita (chamados de satélites “geoestacionários”). Hoje esses serviços são oferecidos pela Starlink, de Elon Musk. Em 2020, no governo Bolsonaro, os EUA pressionaram sem sucesso para que o Brasil recusasse equipamentos da chinesa Huawei na implantação da rede de telefonia 5G.

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A intenção declarada de Claver-Carone é sancionar os países latino-americanos que aceitarem investimentos chineses em infraestrutura, mas os resultados podem ser justamente o contrário. A China é o maior parceiro comercial de todos os países da América do Sul, com exceção de Equador, Colômbia e Guiana. Segundo o AidData, um laboratório de pesquisa americano, projetos de investimento chineses na América Latina ultrapassam US$ 280 bilhões, incluindo linhas de metrô em Bogotá e na Cidade do México, hidrelétricas no Equador e a fábrica de carros elétricos da BYD na Bahia, se aproximando do valor dos projetos da China na África. Com o porto no Peru, inaugurado em novembro pelo presidente chinês Xi Jinping, a duração das viagens de cargueiros com importações e exportações chinesas caiu de 40 para 25 dias. Além do mais, enquanto os Estados Unidos têm um superavit de US$ 125 bilhões com as nações da América Latina, os chineses acumulam um déficit de US$ 124 bilhões. Será uma disputa entre a intimidação dos EUA e o dinheiro chinês.

Relatório da Global Capital Allocation Project (GCAP, um centro conjunto entre as universidades de Chicago, Stanford e Columbia) indica que as tarifas são apenas a parte visível da estratégia trumpista. “Uma vez que a coalizão liderada pelos EUA controla uma parcela dominante dos serviços financeiros globais, frequentemente excedendo 80% ou 90% em muitos países, esse controle quase total do sistema financeiro mundial permite à coalizão dos EUA frequentemente usar as finanças como ferramenta de coerção”. Como escreveu o colunista do Financial Times Gillian Tett, “a equipe de Trump usará essas ferramentas “coercitivas” para punir rivais ou fechar acordos? Em outras palavras, as tarifas não são a única – ou mesmo a principal – ferramenta em jogo”.

Trump é imprevisível, mas tem um modus operandi conhecido. Depois de tantos anos com Trump fazendo declarações bombásticas a surpresa não é mais o potencial de destruição das suas afirmações, mas o fato de alguém ainda ficar surpreso. Afinal, esse é o estilo Trump.

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A parte racional desse estilo está contida em “The Art of the Deal”, o livro de autoajuda assinado por Trump, mas escrito pelo jornalista Tony Schwartz. Lançado em 1987, o livro do então magnata do setor imobiliário defende começar uma negociação com uma oferta inaceitável, mas que, uma vez feita, passaria a ser o ponto de partida da conversa. Trump relata orgulhoso como, sabendo das dificuldades do dono de um Boeing 727, ofereceu meros US$ 5 milhões pela aeronave que valia US$ 30 milhões (valores dos anos 1980). O dono do avião ficou ofendido, reclamou, mas acabou vendendo o avião por US$ 8 milhões, segundo Trump. Ele chama essa tática de “espaço de barganha”.

Este é Trump. Ele abre uma negociação com uma proposta exageradamente ruim (como ameaçar retomar à força o Canal do Panamá) e rebaixa os termos da conversa para que, ao final, o que ele realmente quer pareça razoável. O importante, diz Trump, é você ditar os termos da negociação, e assim dominar o “espaço da barganha”. Como presidente, Trump nunca deixou de ser esse negociador que combina a busca de um acordo com chantagem, extorsão e intimidação.

A questão é estar preparado para uma negociação desse tipo. Como escreveu na revista Americas Quarterly o veterano jornalista Michael Reid, “(neste segundo mandato) a América Latina carece de fóruns eficazes para coordenação e liderança regional. A política externa de cada país tende a mudar de acordo com os caprichos do presidente de plantão. O bilateralismo de Trump é baseado no dividir para reinar, o que é mais uma razão para os países democráticos da América Latina se juntarem e defender o que que realmente lhes interessa”.

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O caso exemplar de como lidar com Trump é o do ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, o AMLO. Por anos, Trump insultou os mexicanos chamando-os de estupradores e criminosos e prometendo um muro na fronteira que o governo do México seria obrigado a pagar. O governo AMLO não pagou nada, mas de fato ampliou o controle na fronteira de imigrantes centro-americanos e gerou uma relação pessoal com Trump suficiente para ambos se chamarem de “amigos” em 2020. Eles construíram uma relação baseada no respeito mútuo por suas tendências nacionalistas e autoritárias e na capacidade de não interferirem nos assuntos domésticos um do outro. Aparentemente, como mostram Vladimir Putin e Viktor Órban, Trump respeita quem enxerga como um igual.

Não foi o caso do canadense Justin Trudeau, que se apressou a visitar o americano antes da posse para tentar diminuir a ameaça de tarifas. O gesto foi visto como uma fraqueza, e o bullying de Trump de que o Canadá poderia se tornar o 51.o Estado dos EUA foi o pretexto para a crise partidária que obrigou Trudeau a anunciar a sua renúncia na segunda-feira 6. Quem mostrou saber como reagir foi o principal opositor de Trudeau, Pierre Poilievre, que politicamente se inspira no presidente eleito americano. No X, ele postou: “O Canadá nunca será o 51º estado (dos EUA). Ponto. Somos um país grande e independente. Somos o melhor amigo dos EUA. Gastamos bilhões de dólares e centenas de vidas ajudando os americanos a retaliar contra os ataques de 11 de setembro da Al-Qaeda. Fornecemos aos EUA bilhões de dólares de energia de alta qualidade e totalmente confiável, bem abaixo dos preços de mercado. Compramos centenas de bilhões de dólares em produtos americanos. Nosso fraco e patético governo NDP-Liberal (de Justin Trudeau) não conseguiu fazer esses pontos óbvios. Vou lutar pelo Canadá. Quando eu for primeiro-ministro, reconstruiremos nossas forças armadas e retomaremos o controle da fronteira para proteger o Canadá e os EUA. Vamos retomar o controle de nosso Ártico para manter a Rússia e a China fora. Vamos cortar impostos, reduzir a burocracia e rapidamente dar luz verde a projetos de recursos maciços para trazer contracheques e produção para o nosso país. Em outras palavras, colocaremos o Canadá em primeiro lugar”.

O post é magnífico por usar a linguagem e a argumentação de Trump para rebater uma ideia do próprio Trump. O texto deveria ser estudado em Brasília. Afinal, e se depois do Panamá, for a vez da Amazônia?!

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