Em busca do eleitor desiludido
Lula e o bolsonarismo já estão no segundo turno. Vai vencer quem reconquistar quem já votou nos dois lados

Nunca uma sucessão presidencial começou tão cedo quanto a de 2026, mas também raras eleições brasileiras estabeleceram com tanta antecedência quais os grupos políticos competitivos para chegar ao segundo turno. Essa previsibilidade dá à eleição de 2026 uma característica singular: embora políticos, agentes do mercado financeiros, empresários e jornalistas gastem horas de seus dias com cada detalhe das futuras campanhas, as notícias mudam muito pouco o quadro geral.
Assim como em 2022, de um lado estará Lula da Silva, do outro o grupo político comandado por Jair Bolsonaro. A indefinição sobre quem será o candidato apoiado por Bolsonaro, aparentemente, apenas adia o óbvio: quem for o escolhido tem grandes chances de chegar ao segundo turno e, uma vez lá, terá no mínimo 45% dos votos — mesmo piso da nova candidatura Lula.
Haverá muito som e fúria, mas ao final Lula terá o apoio da maioria dos eleitores mais pobres e o candidato de Bolsonaro, dos mais ricos. O Nordeste majoritariamente votará em Lula, enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste darão vitória ao bolsonarismo. Lula terá mais votos dos eleitores que se declaram pretos e católicos; o bolsonarismo entre brancos e evangélicos.
É um quadro assustadoramente similar ao de 2022, que eu e o cientista político Felipe Nunes descrevemos no livro “Biografia do Abismo”. Num país de paixões calcificadas, no qual a escolha política é também um posicionamento sobre valores, a diferença entre ganhar e perder estará num núcleo de 7% a 10% do eleitorado, majoritariamente urbano, dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Em 2018, a maior parte desses eleitores votou em Bolsonaro. Em 2022, em Lula. Hoje, eles desaprovam o governo Lula, mas ainda não o suficiente para abraçar uma candidatura bolsonarista. Nunes e eu batizamos esse núcleo de os “desiludidos”.
Como Nunes afirmou em entrevista ao editor Thiago Prado, de O Globo, o candidato que “conquistar esse eleitor desiludido vencerá. Agora, neste momento, por mais que o governo esteja mais desaprovado que aprovado, esse eleitor está dizendo nas nossas pesquisas que não vai votar em ninguém. Ou seja, por ora, Lula vence as simulações eleitorais que tenho feito porque as pessoas ainda desconhecem as alternativas da oposição”.
Em números: numa disputa hipotética entre Lula e Bolsonaro, 15% dos que acham o governo ruim ou péssimo dizem que votariam no atual presidente se a opção fosse o bolsonarismo. Essa correlação se repete quando são outros os nomes apresentados.
Existe um evidente desgaste de material de Lula 3, mas esse esgarçamento atinge igualmente o bolsonarismo e o Centrão. Os desiludidos com Lula também se sentem arrependidos do bolsonarismo.
O fato de a principal força do antipetismo ser o bolsonarismo ajuda Lula: 44% dos brasileiros têm mais medo da volta de Bolsonaro do que manter Lula, ante 41% que acham o contrário. O medo que atinge 85% dos eleitores aponta para uma nova eleição de disputa de rejeições.
Além dessa porção de eleitores que dizem “ruim com Lula, pior com outro”, há outro segmento que rejeita todos os políticos. Entre os que desaprovam o governo Lula, entre 17% e 32% dizem que votarão branco ou nulo ou vão se abster em 2026. Parte do repúdio ao governo Lula, portanto, é uma rejeição a todo o sistema político.
Mantidas as condições de temperatura e pressão, a tendência é que chegando mais perto das eleições, de um lado Lula recupere o núcleo duro do seu eleitorado (Nordeste, pobres, pretos, católicos) e que o ungido por Bolsonaro, depois do luto pela saída do ex-presidente da disputa, comece a herdar a base da direita (Sul/Centro Oeste, mais ricos, brancos, evangélicos). As mulheres, que em 2022 votaram majoritariamente em Lula, estão divididas.
E o que pode dar errado nesse quadro esquemático?
No campo de Lula é a economia. Há uma certeza quase messiânica no Palácio do Planalto de que as medidas de crédito, a isenção do imposto de renda e o aumento do Bolsa Família vão manter o ritmo da economia acima dos 2%, com crescimento no consumo e manutenção do desemprego baixo. Não se estuda no Planalto um único cenário pessimista do que pode acontecer com o Brasil com a guerra de tarifas EUA-China. Do jeito que as coisas estão, Lula só pretende ouvir a sério o ministro Fernando Haddad se houver uma hecatombe.
No caso da direita, a pedra no meio do caminho é Bolsonaro. Dois governadores pré-candidatos a presidente me disseram ter certeza de que, nas condições atuais, Bolsonaro pretende manter sua candidatura mesmo com a condenação no STF, tendo o filho Eduardo como substituto. É um cenário que desintegra a oposição, tira Tarcísio de Freitas da disputa e abre espaço para um candidato fora da política.
De acordo com a última pesquisa Quaest/Genial, perguntados sobre “qual seria o melhor resultado da eleição”, 26% disseram alguém fora da política, 24% Lula, 19% Bolsonaro, 12% outro candidato de direita fora Bolsonaro, 6% um candidato de centro e 5% outro candidato de esquerda fora Lula. O dado é um bom indicador do potencial de um candidato antissistema e do sentimento de muitos eleitores “desiludidos”.
E como os dois lados devem cortejar os desiludidos?
Num aforismo comum do marketing, eleições são sobre sonhos e medos. Em 2022, Lula conquistou este voto porque Bolsonaro investiu tanto contra as instituições que permitiu ao PT se tornar o representante da democracia. Como as investigações do STF mostram, o medo de um retrocesso democrático era real.
Esse quadro pode se repetir numa eventual disputa Lula x Eduardo Bolsonaro em 2026, mas dificilmente colará se o adversário não tiver o mesmo sobrenome. O fato é que o rol de realizações lulistas destes dois anos e quatro meses de mandato (volta de programas sociais, normalização da política, fim do confronto com o Judiciário, crescimento de 6%, desemprego em baixa) não é suficiente. Tendo como agenda única propostas para ganhar a eleição, Lula não oferece sonho.
Oferecer mudança é a base de qualquer oposição, mas o antipetismo tem um limitador: para chegar ao segundo turno precisa ser fiel e até submisso a Bolsonaro, mas não tem como chegar aos 51% oferecendo uma volta ao governo do ex-presidente. O maior desafio da oposição será achar a correlação certa entre bolsonarismo e pós-bolsonarismo.
Lulistas e bolsonaristas têm 18 meses para encontrar uma ilusão que seduza os desiludidos.