O secretário de Estado dos EUA (cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores), Antony Blinken, deve excluir o Brasil da sua primeira viagem à América do Sul. O anúncio deve ser feito nos próximos dias e confirma a falta de diálogo entre os líderes dos dois países mais importantes das Américas. A mensagem clara do presidente Joe Biden é que o Brasil de Bolsonaro está fora da sua agenda.
A diplomacia é uma arte de sinais. Na semana passada, Blinken estava no México para tratar de imigração e cooperação econômica. Como observou o brazilianista e jornalista Brian Winter, na revista Piauí, desde que tomou posse em janeiro, Biden já conversou por telefone com quase 40 chefes de Estado, incluindo os do México, Colômbia e Guatemala. Com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, Biden falou antes da posse, dando seu aval para as negociações da dívida do país com o FMI. Com Bolsonaro, a relação é nula.
A decisão da Casa Branca de manter distância de Bolsonaro tem nome e sobrenome, Donald Trump. No domingo, o filho e principal conselheiro de política externa de Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, postou orgulhoso no Twitter um bilhete assinado por Trump, em mais uma prova da adoração que a família sente pelo ex-presidente americano. Bolsonaro foi o penúltimo líder mundial a cumprimentar Biden pela vitória (antes, apenas, da Coréia do Norte) e afirmou publicamente que houve fraudes na vitória do democrata. Eduardo Bolsonaro está contratando vários ex-assessores de Trump para ajudar na campanha de reeleição do pai.
No mês passado, os presidentes dos Comitês de Relações Exteriores e de Justiça do Senado _ as duas comissões mais importantes da Casa_ enviaram uma carta pública ao secretário Blinken alertando sobre as ameaças de Bolsonaro de fazer um golpe de Estado. “Insistimos com o senhor a deixar claro que os EUA apoiam as instituições democráticas brasileiras e que qualquer ruptura antidemocrática com a atual ordem constitucional terá sérias consequências”, diz a carta. A exclusão do Brasil na viagem do secretário do Estado não está relacionada às constantes críticas dos políticos democratas ao presidente, mas serve como uma resposta aos senadores.
Em agosto, o principal assessor de segurança do governo Biden, Jake Sullivan, esteve em Brasília para uma reunião com Bolsonaro e, sutilmente, falou da confiança dos EUA nas instituições democráticas brasileiras _ uma forma diplomática de pedir que cessassem as intimidações ao Supremo Tribunal Federal. No que foi considerado uma provocação pelos americanos, no dia seguinte ao encontro, Bolsonaro fez uma ameaça direta ao ministro do STF, Alexandre de Moraes: “a hora dele [Moraes] vai chegar”.
No encontro, Sullivan havia alertado Bolsonaro e vários ministros dos cuidados antiespionagem caso a indústria chinesa Huawei dominasse o fornecimento de material na licitação do 5G, marcada para novembro. Os conselhos foram ignorados. Os EUA também não conseguiram avançar nas negociações para projetos de proteção ambiental. Ao contrário. Bolsonaro promoveu a aprovação pela Câmara da Lei da Grilagem, que legaliza a posse e o desmatamento de áreas de parques nacionais invadidas por fazendeiros e madeireiros. A legislação é o maior retrocesso ambiental na Amazônia em décadas.
Com o diálogo travado sobre democracia, direitos humanos, ambiente e tecnologia 5G, restaram poucos temas para os diplomatas americanos e brasileiros conversarem. Desde julho os EUA estão sem embaixador em Brasília e, sem um motivo de diálogo urgente, a escolha do novo representante deve demorar meses.