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Thomas Traumann

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Thomas Traumann é jornalista e consultor de risco político. Foi ministro de Comunicação Social e autor dos livros 'O Pior Emprego do Mundo' (sobre ministros da Fazenda) e 'Biografia do Abismo' (sobre polarização política, em parceria com Felipe Nunes)
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O dilema de Campos Neto

Crise bancária global e ajustes de Haddad colocam pressão sobre decisão do BC

Por Thomas Traumann Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 20 mar 2023, 08h00 - Publicado em 20 mar 2023, 08h00
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  • A reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta terça e quarta é a mais importante da vida do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Não pelo resultado formal, afinal é consenso que a taxa Selic será mantida nos atuais 13,75%. A justificada da decisão, contudo, será um ponto de inflexão. No comunicado a ser divulgada na quarta à noite e na ata da semana seguinte, Campos Neto irá definir seu horizonte como primeiro presidente de um BC independente, não escolhido pelo presidente no cargo.

    Passou-se como um século desde a última reunião do Copom em 1º de fevereiro. Lula da Silva jogou seu capital político contra Campos Neto, que precisou dar uma entrevista em TV para quase pedir desculpas pelo tom agressivo do último comunicado; a presidente do PT pediu publicamente a demissão de Campos Neto; as expectativas do mercado com o governo se deterioram a níveis do governo Dilma Rousseff; grandes varejistas passaram a ter dificuldade em rolar suas dívidas depois da falência das Americanas; uma aliança entre os ministros Fernando Haddad, Rui Costa e Alexandre Padilha isolou Hoffmann das decisões do governo; o governo reonerou os combustíveis; o time do BC teve acesso antes do PT ao projeto do novo arcabouço fiscal; dois bancos regionais americanos quebraram e houve uma ação preventiva do Tesouro americano para preservar os correntistas; o Credit Suisse reconheceu erros no balanços e precisou de garantias do governo da Suíça para ficar de pé; o preço internacional do petróleo caiu a níveis pré-pandemia; há uma expectativa de parada na alta gradual dos juros americanos; e a possibilidade de uma recessão global cresceu.

    Está claro que o impasse bancário nos Estados Unidos e Europa tem potenciais desinflacionários no Brasil e o país caminha a passos firmes para uma retração que pode chegar a uma recessão no fim do ano. A alta estrondosa da Selic de 2% para 13,75% em dois anos está sufocando o crédito, ampliando a pressão que hoje é da política para as empresas e bancos.

    Além disso, Fernando Haddad entregou a Campos Neto uma pacote de ajuste, a recomposição de receita com o imposto sobre combustíveis e apresentou as diretrizes da sua proposta de nova regra fiscal. Tudo isso poderia, em tese, levar o Copom a abrir a janela para iniciar os cortes no primeiro semestre.

    Tecnicamente, no entanto, as coisas não funcionam assim. A modelagem do Copom dá um peso às expectativas econômicas, e todas pioraram muito desde 1º de fevereiro. Na pesquisa Focus da época, os analistas apontavam param uma inflação de 3,9% em 2024, o ano preponderante no horizonte da política monetária. Na Focus da última segunda-feira, essa projeção subiu para 4,02%. As expectativas para 2025 e 2026 subiram para 3,8%, ante 3,5% estimados anteriormente. Corretoras que reproduzem o modelo do Copom não enxergam outra sinalização possível além da manutenção da taxa atual até o fim do ano, com o IPCA deste ano resistente em 5,9%, estourando a meta de inflação pelo terceiro ano consecutivo.

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    Se repetir o comunicado de fevereiro, Campos Neto cria para si e sua diretoria um clima de guerra. Um aviso duro será compreendido pela política como uma derrota do gradualismo de Fernando Haddad e dará força para a esquerda do PT impor o seu ritmo à política econômica — com consequências até para a própria sobrevivência de Campos Neto no cargo.

    Adiantar um corte para maio — como espera o presidente Lula — seria visto pelo mercado como uma concessão, minando a credibilidade do BC. Técnico de grande gabarito, o ex-presidente do BC Alexandre Tombini perdeu sua relação com o mercado quando iniciou uma série de cortes em 2011 baseados em uma visão otimista da realidade. 

    Em um mundo ideal, Campos Neto seguraria os juros até o final do ano para só depois de controlado o núcleo da inflação, iniciar um corte sistemático da Selic. Foi o que Illan Goldfajn fez em 2016, quando baixou os juros de 14,25% gradualmente para 6,5% em dois anos. Só que Goldfajn tinha Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda. Campos Neto tem um governo eleito para cumprir uma agenda social que politicamente é mais urgente que controle de gastos.

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    Esta será também a última reunião de um Copom totalmente alinhado com Campo Neto. Na reunião de maio já devem estar empossados os dois novos diretores. Três candidatos indicados pelo Ministério da Fazenda já foram entrevistados pelo presidente Lula. De certo é que os dois indicados irão contestar o consenso fiscalista do atual Copom. Nas palavras de Lula, “não quero mais ver nove a zero a favor de mais juros”, se referindo à unanimidade de votos dos atuais diretores a favor da atual taxa Selic.

    O dilema de Campos Neto não é simples. Se errar a mão, pode por um lado inviabilizar a continuidade da independência do Banco Central no restante do governo Lula ou por outro desacreditar a política monetária e desancorar as expectativas num momento em que o mundo pode estar entrando numa crise financeira.

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