As últimas duas semanas foram as melhores do governo Bolsonaro. Derrotado, ele ensaiou uma contestação ao resultado, mas recuou por falta de apoio. Foi apenas duas vezes ao Palácio do Planalto, fez dois pronunciamentos insossos defendendo manifestações pacíficas contra o presidente eleito, abandonou as lives no Facebook e os tuítes e passou os dias reclusos no Palácio do Alvorada, sua residência oficial, enquanto a Casa Civil mantinha os trâmites burocráticos para a transição de governo.
A ausência de Bolsonaro nas manifestações golpistas nas portas e dentro dos quarteis militares é um alívio. Com seus 58 milhões de votos, o presidente poderia se quisesse transformar esses meses de transição em um inferno caso insistisse nas teorias de conspiração que ele mesmo fomentou ao longo dos últimos quatro anos.
É o silêncio de Bolsonaro que, a preços de hoje, joga para o triturador de papeis as notas do Ministério da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas, aceitando a realidade das urnas e, ao mesmo, incentivando as vivandeiras de uma intervenção militar. Os comandantes fizeram na semana passada o trabalho sujo de manter acesas as suspeitas sobre a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, ação importante para manter o negacionismo vivo até 2026. Só que a apatia do presidente derrotado tira das manifestações o seu tom de ameaça, transformando-as em um espetáculo de memes de personagens simultaneamente cômicos e trágicos
Oficialmente afastado do trabalho por uma erisipela nas pernas, Bolsonaro deixou para o seu vice, general Hamilton Mourão, tarefas administrativas como a recepção a novos embaixadores e ao seu ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, a condução dos últimos dias de governo. Bolsonaro não foi aos fóruns internacionais da COP-27, que na prática assumiram Lula da Silva como presidente de fato do Brasil, nem do G20, cuja presença era dispensável. É como se Bolsonaro houvesse murchado.
Ironicamente, na fraqueza Bolsonaro reforça a sua força. Sem ele, a oposição a Lula é cacofonia sem um eixo de ação. Hoje apenas Bolsonaro, com sua liderança genuinamente popular, é capaz de agregar interesses tão desconexos como os dos agrobusiness, evangélicos, militares e mercado financeiro, setores que majoritariamente votaram contra Lula e que não pretendem dar um único dia de trégua ao futuro presidente. Porém, sem a regência de Bolsonaro e seus filhos até as redes sociais da extrema direita estão vazias. Há raiva, ranger de dentes, mas zero estratégia. São manés que perderam e seguem amolando, mas não sabem como construir uma alternativa futura. São órfãos à espera da volta de Bolsonaro.