O Milei brasileiro
Sentimento antissistema cresce e pode mudar cenário para as eleições de 2026

Em 2016, logo depois do impeachment de Dilma Rousseff e no auge da Lava-Jato, o economista Paulo Guedes procurou o apresentador de TV Luciano Huck para tentar convencê-lo a ser candidato a presidente. Guedes, que reconhecidamente diz não entender de política, havia sentido corretamente o desejo popular por um candidato fora do sistema em 2018. Huck não levou a conversa adiante, Guedes procurou um deputado militarista que fazia sucesso na internet e o resto é história. Algo similar pode estar ocorrendo agora.
Pesquisas qualitativas feitas nos últimos dias em São Paulo indicaram que a rejeição aos políticos vai para além das reclamações dos preços nos supermercados. Todos os políticos, e não apenas Lula, estão sendo criticados. Lula e o PT foram criticados pela inflação: “Vou trocar o café pelo quê? Parece que nunca foi no mercado”, disse um participante.
Bolsonaro foi atacado por tentar mudar a ficha-limpa. “Quando é contra ele não vale?”
Tarcísio de Freitas pelo boné pró-Trump. “O homem de lá só pensa nos americanos. O nosso tem que pensar na gente.”
O Congresso segue sendo visto como um antro de corrupção. “Quem ali já pegou um trem e um ônibus para chegar no trabalho?”
O STF é odiado pela esquerda e direita. “Só pensam neles mesmos.”
É uma continuação do sentimento captado nas eleições de outubro, quando candidatos radicalmente antissistema quase venceram em São Paulo, Fortaleza, Goiânia, Curitiba e Belo Horizonte. Todos baseavam suas campanhas em um sentimento difuso de rejeição aos políticos tradicionais, identificação direta com o eleitor acima de partidos, memes e vídeos de enorme sucesso nas redes sociais e propostas de redução do Estado e de impostos.
Mais do que um novo Bolsonaro, há indicações que sugerem o desejo de um Javier Milei, alguém que prometa cortar o Estado assistencial petista, mas também governar sem o Centrão, os militares, os partidos tradicionais e, principalmente, os impostos. Há indicações de que esse voto contra-tudo-contra-todos deixou de ser monopólio de Bolsonaro.
A pesquisa Genial/Quaest divulgada no início do mês deu uma pista sobre o potencial de votos a candidatos antissistema. Nomes como o guru de autoajuda Pablo Marçal e o cantor Gusttavo Lima chegam fácil aos dois dígitos no primeiro turno e a um terço dos votos no segundo. A pesquisa mostra que existe uma demanda antissistema.
Pesquisas presidenciais a dezoito meses das eleições valem como indicadores de conhecimento dos possíveis candidatos. A pesquisa Genial/Quaest foi impiedosa com os nomes preferidos pelo establishment, Tarcísio, Zema, Ratinho e Caiado:
Grau de Desconhecimento
Ronaldo Caiado 68%
Romeu Zema 62%
Ratinho Junior 51%
Tarcísio de Freitas 45%
Eduardo Bolsonaro 23%
Michelle Bolsonaro 22%
Pablo Marçal 32%
Gusttavo Lima 21%
Fernando Haddad 20%
Ciro Gomes 20%
Jair Bolsonaro 6%
Lula da Silva 4%
O sentimento antissistema naturalmente atinge mais quem está no governo, mas isso não implica uma vantagem para a oposição estabelecida. Se a eleição de 2026 for uma eleição sobre mudança, poderemos ver um vendaval igual ao de 2018, com a diferença que dessa vez Bolsonaro já é visto como parte do sistema. O espaço para uma versão brasileira de Javier Milei está aberto.