Alguns anos atrás, Ventura Profana, 31 anos, não imaginaria que as palavras “travesti” e “missionária de Deus” pudessem dialogar em uma mesma frase. Nascida em Catu, na região metropolitana de Salvador (BA), veio de uma família em que as raízes estavam na ideologia da Igreja Batista. Em meados da década de 1930, sua bisavó deixou o terreiro de candomblé para se juntar ao evangelho. Ela diz que naquele momento os valores transfóbicos foram passados por gerações. A partir de então, entendeu que precisava se afastar da igreja para assumir sua própria identidade, sem saber ainda que os dois podiam caminhar juntos.
Escritora, artista, cantora e pastora, Ventura se destacou no cenário artístico brasileiro, questionando normas e propondo um novo olhar sobre a espiritualidade, a partir de suas vivências como uma pessoa negra e travesti. Ousadia não falta a ela. Ao longo de sua trajetória, a baiana tem conquistado espaço em importantes palcos e festivais, ganhando visibilidade tanto no Brasil quanto internacionalmente e prêmios, como o prêmio de Artes Cênicas Negras Leda Maria Martins, em 2019, e a indicação ao prêmio Pipa (iniciativa do Instituto PIPA em parceria com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro). Já teve trabalhos expostos na Alemanha e mais recentemente levou ao Masp vídeos com temáticas sobre religião e sexo, embranquecimento da fé cristã, irmandade de mulheres negras e travestis.
A apresentação na 35ª Bienal de São Paulo foi celebrada com os mais de 29 mil seguidores no Instagram: fruto da união e articulação de toda uma congregação. “How deep is the ocean foi uma obra comissionada pela Bienal, cuja produção durou seis meses. Ao todo, mais de 50 pessoas trabalharam para que estivéssemos no palco em dezembro de 2023, um dia antes das coreografias do impossível partirem para um novo ciclo”, escreveu ela, numa rede social.