A situação inusitada que Marcos Palmeira vive em ‘Renascer’
Em conversa com VEJA, ator fala sobre o desafio de interpretar o coronel José Inocêncio
Aos 60 anos, Marcos Palmeira vive uma situação inusitada no ar em Renascer ao interpretar o papel de José Inocêncio, antes feito por Antonio Fagundes. Em 1993, primeira versão, ele foi o filho rejeitado, agora interpretado por Juan Paiva. Essa troca de papéis, tão rara na teledramaturgia, é uma chance e tanto para o ator revisitar sua carreira e avaliar as mudanças que sofreu neste período. A seguir, o bate-papo de Palmeira com a coluna GENTE.
Qual é o sentimento ao fazer de novo um protagonista de Benedito Ruy Barbosa numa novela tão emblemática? Não sei nem te explicar, na minha carreira nunca imaginei estar nesse lugar hoje. Nesses coronéis do Benedito, nessa lembrança, quando comecei lá no Pantanal, depois Renascer, olhando e falando: ‘será que algum dia, quando ficar velho, vou fazer um coronel do Benedito?’. E de repente, pelas mãos do Bruno (Luperi, atual autor), estou recontando uma história que já fiz, revisitando essa dramaturgia, me atravessa inteiro.
São papéis inseridos num contexto de meio ambiente que você domina. Estou revisitando esses biomas, Mata Atlântica, Pantanal… Depois de também ter me tornado um cara ligado ao meio ambiente, poder recontar a história com esse olhar ambiental, de novo olhar para a natureza… São dois personagens que andam muito próximos. O Zé Leôncio e o Zé Inocêncio são pais que rejeitam filhos, ambos com amores não correspondidos. É um exercício como ator poder tocar em outros lugares.
Zé Inocêncio é mais próximo de você do que Zé anterior? É, no sentido de ser um cara que coloca a mão na massa. Da mesma origem que eu, da região cacaueira, também venho do Sul da Bahia. Não nasci lá, mas me criei no interior do Brasil. Tenho relação profunda com o cacau e todas as reflexões que meu avô me trouxe, em relação à questão ambiental, de se discutir a monocultura, a produção de alimento. A realidade pantaneira é totalmente diferente daquela realidade do litoral. Se tivesse pensado lá atrás para programar um momento para chegar aos 60 anos e estar realizando alguma coisa, não poderia ser melhor.
Como o seu personagem atual, acredita em “corpo fechado”? Acredito em energia, que vibra o tempo inteiro, a gente recebe muito o que a gente dá, acredito nessa troca. Não tenho religião, respeito todas. Mas acredito muito que a natureza proporciona essa energia.
Como tem lidado com a questão do aquecimento global, tema recorrente nos últimos tempos? O que a gente está vivendo hoje, esse calor infernal, é porque a gente não trocou, durante esse tempo todo, a gente só extraiu. A gente não consegue “renascer”. A discussão é sempre econômica. Mas ninguém entende que a gente está no limite. Lembro que há 10 anos, 40 graus era calamidade pública e hoje em dia a gente já está trabalhando com 50 graus. É um momento de não retorno. Espero que essa novela traga esse olhar, da possibilidade de um renascimento, devolver para a natureza tudo que a gente tirou. Recuperação de mata ciliar, recuperação das florestas… A gente ainda fala de garimpo, do sofrimento que os índios estão vivendo, é um retrocesso gigante que a gente está vivendo. Mas sou otimista.
Como é estar do outro lado da história: antes filho rejeitado e agora sendo o pai que rejeita o filho? Estou mais velho (risos). Fiquei brincando, ‘só Freud pode explicar uma situação dessa’. Você faz um personagem, (Antônio) Fagundes tinha 43, eu tinha 30; o Ruan (Paiva) tem 20 e poucos, eu estou com 60.
Teme ser estigmatizado por só fazer papel rural? Quando comecei, era o playboy carioca, ouvia muito ‘cuidado para não ficar estigmatizado’; depois fui para galã rural, depois era ‘cuidado para não fazer tanto delegado’. Estão sempre querendo colar e eu não tenho nenhuma preocupação. Se o personagem é legal, se vou colaborar de alguma forma, vou fazer. Não há preocupação nem cobrança. Vou jogando onde sinto que me cabe, não vou entrar numa pelada furada.
O que te instiga na personalidade de José Inocêncio? O filho que ele mais rejeita é o filho que é mais parecido com ele. Tudo que é muito espelhado na gente incomoda. Seja a sua mulher, seu filho, seja seu irmão. Mas ele é um cara que tenta se tornar uma pessoa melhor. Tem um machismo ancestral, a homofobia… Mas ele tenta reconhecer que tem dificuldade em algumas questões sociais.