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As previsões catastróficas de Miguel Nicolelis para o mundo em novo livro

Neurocientista estreia na ficção e cita mundo de pós-verdade e a crise gerada por Elon Musk

Por Giovanna Fraguito Atualizado em 15 out 2024, 17h04 - Publicado em 15 out 2024, 07h00
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  • O neurocientista Miguel Nicolelis estreia na ficção científica com o livro Nada Mais Será Como Antes (ed. Planeta). Doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e Ph.D em Fisiologia e Biofísica pela Universidade de Hahnemann, nos Estados Unidos, foi professor e pesquisador por mais de 30 anos no departamento de neurociência e engenharia biomédica da Universidade de Duke — que figura no topo das listas de melhores universidades do mundo. A nova obra trata de uma enorme conspiração mundial, disposta a controlar mentes da humanidade. Para a coluna GENTE, o médico explica suas teorias com base no mundo real.

    O livro trata sobre o colapso da humanidade pela falta de cuidado com o meio ambiente. É possível desenhar cenário positivo diante dessa catástrofe em curso? Nos últimos meses, alguns dos cenários que escrevo no livro como ocorrendo em 2036 começam a aparecer. Toda a crise da pós-verdade, o fato de que daqui a pouco tempo não vai se saber mais o que é verdade… Se você não for testemunha ocular de um evento, nunca vai ter certeza, uma vez que a qualidade dos deep fakes está cada vez melhor. O outro são os efeitos crônicos das pandemias. Um artigo que saiu recentemente, depois que o livro já estava publicado, mostrou que tivemos 21 milhões de pessoas com lesões crônicas neurológicas do Covid. Fora a maior tempestade solar dos últimos 30 anos. Quase achei que não ia dar tempo do livro ser publicado.

    A obra marca sua estreia na ficção. Qual foi a motivação para escrever em novo gênero? Bom, se era para fazer um alerta do que pode acontecer num futuro breve, ao invés de escrever mais um trabalho científico, que só mil pessoas vão ler no mundo inteiro, talvez fosse mais efetivo escrever um livro de ficção científica, onde um número maior de pessoas pudesse ter acesso ao que comecei a vislumbrar. Primeiro como ficção, mas que a cada dia que passa no presente meu livro fica um relato jornalístico.

    O senhor fala de uma conspiração mundial para controlar mentes humanas. Essa é uma reflexão que se estende para o mundo real? Quem seriam os líderes dessa conspiração? Basta ver o embate entre o overlord sul-africano do X (Elon Musk) com a suprema corte brasileira. Claramente a narrativa que faço do desejo de consumo das Big techs no livro, cada vez parece mais real. Nesses 35 anos nos Estados Unidos, conheci todo esse povo. Eles não têm mais nenhum tipo de reconhecimento dos estados nacionais, das constituições, dos poderes constituídos, eles acreditam que podem passar por cima de tudo. É o reino dos nerds, mas numa conotação extremamente autoritária, onde não reconhecem a necessidade de sistemas democráticos. Eles acreditam que você pode criar um sistema onde nada disso existe e a tecnologia decide os rumos. Evidentemente quem controla a tecnologia, controla tudo. O mundo mudou de uma maneira dramática e não são nem as corporações mais que mandam, são certos overlords que detêm o monopólio da informação, do fluxo de capital e de como se exerce uma geopolítica que não aparece. Ela está escondida atrás do palco, é como se o mundo tivesse virado uma grande marionete.

    Qual a sua opinião sobre a suspensão do X no país? Não tenho dúvida alguma que nenhum empresário no mundo, que quer ter uma empresa ou então um negócio num país, pode estar acima das leis nacionais. Ele não faria isso nos Estados Unidos, porque sabe que lá seria preso, e aqui achou que podia fazer o que quer. A decisão é normal, é o que deveria ser.

    O que o senhor acha do uso político das redes sociais, que dão luz a nomes como Pablo Marçal? Todos os sistemas políticos tradicionais estão sendo desafiados por fenômenos como esse senhor em São Paulo, porque os políticos profissionais não se deram conta que mudou a noção de trabalho, de sucesso, de informação. Mudou a noção do que o cidadão comum na rua reconhece como interessante para a vida dele. Estamos falando da maior cidade do Hemisfério Sul, a cidade mais rica do Brasil e da América Latina, onde você não pode sair na rua e tirar uma foto porque alguém passa e leva seu celular, onde se você passa no centro da cidade, tem quase 100 mil pessoas morando em condição de rua. Há uma clara desconexão com a prática e o discurso político tradicional e o mundo real. Os caras ainda vão em comício, levantando o braço um do outro, como se alguém tivesse qualquer conexão com esse gesto. E o que está acontecendo? As pessoas passam a desacreditar que o sistema vai fazer qualquer coisa para elas.

    Isso reflete em votos de protesto? Sim. Tomam atitudes como depositar o voto, apoiar uma pessoa, que tem uma ficha corrida razoável. Essa dissonância cognitiva está levando pessoas a, mesmo elas ouvindo áudio do cara confessando os crimes, não é suficiente. O cérebro humano está sendo afetado por esse bombardeio de informações falsas e desconexão com a realidade. O Trump nos Estados Unidos falou antes da eleição dele: ‘se eu parar em Nova York, no meio da rua, e atirar na cabeça de um cara, meus seguidores ainda vão achar uma desculpa para me exonerar do crime’. E é a pura verdade. Não há nada que faça um cara que vota no Trump mudar de opinião.

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    Qual é a principal reflexão que busca transmitir com sua ficção? Em todos os grandes momentos de crise da nossa espécie, boa parte da humanidade achava que era o fim: ou por causa de uma pandemia que matou metade da Europa ou por causa de guerras que duraram 100 anos. O que sempre surgiu disso foi um novo movimento humanístico. Os gregos do século quinto antes de Cristo, a Renascença islâmica da Idade Média… A mensagem final do livro é essa: a situação é grave e a solução é o oposto do que os overlords propõem. A solução é analógica. Voltar às origens do que nos fez chegar aqui, com criatividade, intuição, arte e ciência na tentativa de achar uma agenda comum para a humanidade.

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