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Lorena Comparato: ‘Sigo diariamente sendo assediada’

Atriz estrela clássico ‘Bonitinha, Mas Ordinária’, de Nelson Rodrigues, no Rio de Janeiro

Por Nara Boechat 24 ago 2024, 10h00
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  • Mais de 60 anos da sua estreia original, o clássico Bonitinha, Mas Ordinária, de Nelson Rodrigues (1912-1980), ganha nova montagem – e segue despertando sentimentos controversos no público. A polêmica cena de estupro cometida por cinco homens é fortíssima. Em cartaz no Teatro Nelson Rodrigues, no Rio, Lorena Comparato, 34, interpreta Maria Cecília, que forma triângulo amoroso com Ritinha (Sol Miranda) e Edgard (Emilio Orciollo Netto). Em conversa com a coluna GENTE, Lorena aborda as complexidades do texto rodriguiano, explica por que chorou em recente ensaio e diz que sofre assédio diariamente.

    O quanto Bonitinha, mas Ordinária continua atual? É um texto clássico do Nelson Rodrigues, que fala dessa burguesia extremamente doente, nociva para a sociedade. É uma burguesia racista, misógina, classicista, que tudo é dinheiro, né? A peça conta a história do Edgard, rapaz que recebe convite para casar com a filha do dono da fábrica, a Maria Cecília. Ela teve um, entre aspas, acidente. Ela foi estuprada por cinco caras e precisa casar com alguém honesto. Só que Edgard é apaixonado pela Ritinha, vizinha dele.

    Nelson sempre causa polêmica. Por que ainda hoje as pessoas se espantam como texto? É uma peça polêmica, porque Nelson Rodrigues é um autor polêmico. As mulheres de Nelson são muito fortes, protagonistas, complexas, guerreiras… Têm desejos sexuais, traem. Espero que a pessoa que vier criticar a peça, veja o contexto e entenda tudo que a gente fala. Porque, ao mesmo tempo em que conversa sobre uma sociedade extremamente repressora do desejo sexual feminino, a gente entende as consequências dessa repressão. E a gente está num momento importante de criticar essa burguesia branca, racista, misógina e homofóbica. A minha personagem cai nesse lugar.

    Como foi trabalhar esse tema do estupro? É muito difícil. Hoje, por acaso, tive uma crise de choro no ensaio. É delicado tratar desse tema, e não é só uma cena. Fala-se sobre vários tipos de abuso e assédio durante todo o espetáculo. Diferentes tipos de violências sociais. Mas uma coisa que me traz segurança é a direção e meus parceiros de cena, homens que entendem a seriedade do tema. É sempre importante lembrar que estou ali representando um número vasto de mulheres que já morreram ou ainda morrem por causa dessa falta de conhecimento sobre as causas de gêneros no país.

    Já sofreu violência? Já sofri muito assédio em várias instâncias da minha vida e sigo diariamente sendo assediada, como a maioria das mulheres. Hoje já tenho mais cuidado, paciência e voz para denunciar. Tem coisas que passei em silêncio que hoje luto para não viver de novo. Falando de assuntos cabulosos como esse, trago luz para que outras pessoas não passem por isso ou se sintam sozinhas. Somos muitas e principalmente os homens precisam se letrar para melhorar as convivências sociais.

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    Como mulher, o que acha de Nelson Rodrigues? Acho um cara extremamente complexo, sempre foi do contra, falava coisas controversas com a esquerda e com a direita. Vejo personagens muito complexos, que têm o mal e o bom dentro deles, mas, ao mesmo tempo, Nelson não deixa de colocar o dedo na ferida. A gente tem grandes vilões na nossa peça, e esses vilões são a burguesia.

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