O discurso político que marcou o Prêmio Shell de Teatro
Cerimônia reuniu pela primeira vez os indicados do Rio de Janeiro e São Paulo
O Prêmio Shell de Teatro anunciou os vencedores de sua 33ª edição nesta terça-feira, 21, no Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, em uma celebração da diversidade, com a já histórica premiação de artistas pretos e a primeira artista trans premiada na categoria melhor atriz, Verónica Valenttino, por Brenda Lee e o Palácio das Princesas. A noite foi marcada pela evocação da ancestralidade em vários discursos, que enalteceram as seleções dos júris do Prêmio Shell de Teatro, marcados pela pluralidade dos artistas brasileiros.
“Enquanto vocês já estão fazendo arte, nós ainda estamos brigando para viver. Queremos viver, queremos dignidade, queremos trabalho, queremos sonhar. É possível a todas as travestir, e que bom que já podem perceber que podem sonhar. Não precisam ser putas, não que seja errado ser puta. Mas nossos corpos são nossa melhor arte. Podemos sim sonhar, podemos sim fazer arte”, disse Verónica, aplaudidíssima, dando qual seria o teor político da noite. Ela ainda ressaltou que foi preciso ter 33 edições para enfim ter uma atriz trans entre as indicadas – e vencedora.
Já no início da premiação, gritos de “olê, olê, olá, Lula´” entoaram a plateia. Naquele mesmo dia, mais cedo, o presidente Lula (PT), junto a ministra da Cultura Margareth Menezes, assinou a nova Lei Rouanet. O assunto estava na boca de todos. Bira Nogueira, ao vencer melhor cenografia por Meu Reino por um Cavalo, manteve a mesma pegada. “Quero agradecer aos mais de 60 milhões de brasileiros que votaram em Lula e deram um basta ao ódio que se instalou na política do país”. Mais uma vez, aplausos efusivos.
A cerimônia teve apresentação de Marisa Orth e Verônica Bonfim. A química entre eles fez a festa de mais de duas horas ser leve e divertida. “Eu nunca me diverti tanto apresentando algo como hoje”, disse Verônica, que puxou a homenagem dessa edição a Léa Garcia e Teuda Bara. Acompanhada pelo pianista Gilson Peranzzetta, Alaíde Costa interpretou Manhã de Carnaval, para relembrar um dos mais importantes espetáculos da trajetória de Léa, Orfeu da Conceição, e inspirou o filme Orfeu Negro, de 1959, vencedor da Palma de Ouro em Cannes. Como disse Teuda, “o teatro salva”. Fundadora do Grupo Galpão, que celebra 40 anos, ela presenciou pot-pourri de números que marcaram a trajetória de sua companhia, uma das mais importantes do país.
Apenas Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos ganhou dois prêmios: dramaturgia e música, pelo júri São Paulo. Glauco Paiva, gerente executivo de Comunicação e Responsabilidade Social da Shell Brasil, reforçou a importância do teatro no recente cenário pandêmico. “Tivemos essa pausa forçada devido à pandemia, mas o teatro resistiu. Teatro e o teatro brasileiro especialmente é feito de resistência. Resistir é ser do teatro, é ser de teatro. Longa vida ao teatro brasileiro”.
Confira a lista dos vencedores:
SELEÇÃO JÚRI RIO DE JANEIRO: DRAMATURGIA – Marcio Abreu e Nadja Naira por “Sem Palavras” / DIREÇÃO – Renata Tavares por “Nem Todo Filho Vinga”/ ATOR – Cridemar Aquino por “Joãosinho e Laíla: Ratos e Urubus, Larguem Minha Fantasia” / ATRIZ – Vera Holtz por “Ficções” / CENÁRIO – André Curti e Artur Luanda Ribeiro por “Enquanto Você Voava, Eu Criava Raízes”/ FIGURINO – Wanderley Gomes por “Vozes Negras: A Força do Canto Feminino” / ILUMINAÇÃO – Alexandre O. Gomes por “A Jornada de um Herói” / MÚSICA – Itamar Assiere pela direção musical de “Morte e Vida Severina” / ENERGIA QUE VEM DA GENTE – “Cia de Mystérios e Novidades”, por fomentar há 40 anos um teatro marcado pela diversidade e multiplicidade e, mais recentemente, por ter criado sua Escola Sem Paredes, na zona portuária do Rio.
SELEÇÃO JÚRI SÃO PAULO: DRAMATURGIA – Dione Carlos por “Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos” / DIREÇÃO – Ruy Cortez e Marina Nogaeva Tenório por “A Semente da Romã” e “As Três Irmãs” / ATOR – Clayton Nascimento por “Macacos” / ATRIZ – Verónica Valenttino por “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” / CENÁRIO – Bira Nogueira por “Meu Reino por um Cavalo” / FIGURINO – João Pimenta por “F.E.T.O (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada)” / ILUMINAÇÃO – Cesar Pivetti por “Brilho Eterno” / MÚSICA – Alisson Amador, Amanda Abá, Denise Oliveira e Jennifer Cardoso pela execução musical em “Cárcere ou Porque as Mulheres Viram Búfalos” / ENERGIA QUE VEM DA GENTE – “Coletivo 302”, pela valorização da ancestralidade em Cubatão, na baixada santista.