O duro golpe de ‘A Pequena Sereia’ ao racismo estrutural do Brasil
Pesquisadoras apontam que filmes da Disney reafirmam a representatividade
Nos últimos anos, o universo de filmes da Disney tem investido em uma maior diversidade dos personagens, como o recém lançado A Pequena Sereia, em que a protagonista é interpretada por uma jovem negra, Halle Bailey. O filme levanta uma discussão presente em outras produções, como Rainha Cleópatra, da Netflix, em que lugares de destaque passam a ser ocupados também por pessoas negras.
“A diversidade se tornou um valor muito relevante para a construção da imagem de uma grande empresa hoje. A Disney tem utilizado a diversidade como forma de renegociar ou ressignificar seu passado”, aponta Fernanda Mauricio, professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com estudos em questões raciais e cinema de animação.
Segundo a pesquisadora, essa diversidade é importante para desnaturalizar a presença de apenas um só tipo de corpo. Mas acompanhada de mudanças estruturais, dentro da empresa, em cargos de decisão. A historiadora e escritora Carolina Rocha, doutora em Sociologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), concorda com a visão de aumento da representatividade. “Isso tem a ver com o que a gente vê nas telas, na televisão. Por exemplo, A Pequena Sereia, uma menina negra de dreads. Agora a representação é pensar nessas pessoas negras na direção do cinema. Ou seja, o poder da caneta e o espaço de decisão precisa ser negro. A gente não quer só ter corpos pretos, estéticas negras, visíveis. A gente quer também estar com o poder de decisão sobre a construção dessas indústrias”, aponta Carolina.
Para a pesquisadora, as críticas em relação aos novos personagens, como a Pequena Sereia, são racistas. “Se a gente pensar nela, é uma invenção, uma ficção. Qual é a cor dela? Em muitas dessas obras, o livro não diz nem a cor da pele dos personagens. A produção cinematográfica coloca esses personagens de acordo com a leitura que faz, ou seja, cada um cria o seu personagem a partir do seu ponto de vista, do seu lugar de fala, da sua leitura de mundo e do mercado. E por que não várias pequenas sereias? É o racismo estrutural brasileiro, as pessoas não querem ver negros ocupando determinado espaço”.
Carolina também explica a importância dessas produções para a construção do imaginário das crianças negras. “Se uma criança não tiver autoestima, não aprende. Ela não tem interesse em ter conhecimento, em expandir conhecimentos. E sem isso não sonha, porque para a gente sonhar, é preciso ter um horizonte. A gente precisa olhar para o futuro, a gente precisa acreditar no futuro. Quando tira das crianças autoestima e confiança intelectual, está tirando a capacidade de sonhar. É o maior crime que o racismo produz”.