O etarismo chegou ao maior palco do país
Rosa Magalhães e Renato Lage estarão de fora do carnaval 2024; entenda
Para quem não respira e acompanha carnaval ao longo do ano, cabe uma breve explicação introdutória: Rosa Magalhães e Renato Lage são dois dos carnavalescos mais criativos e campeões da era Sapucaí, iniciada em 1984. E pela primeira vez estarão fora da grande festa. O pesquisador Fabio Fabato escreveu que carnaval sem Rosa e Renato “é o fim de uma era”. Não há exagero nesta afirmação. Os artistas dominaram os pódios na década de 1990 e pipocaram alguns títulos mais além dos anos 2000. Rosa, única mulher a assinar desfiles sozinha durante tanto tempo, é a que mais tem títulos no carnaval do Rio – são sete no total (1982, no Império Serrano; 1994, 1995, 1999, 2000 e 2001, na Imperatriz; e 2013, na Vila Isabel). Renato tem quatro (1990, 1991 e 1996, na Mocidade; e 2009, no Salgueiro).
Algumas das imagens mais icônicas do carnaval foram produzidas por eles. A coleção de leques verde-amarelos na comissão de frente, que seriam guarda-chuvas no ano seguinte; um feto dentro de um globo terrestre; um menino modernoso jogando videogame na tela seus óculos… Neste carnaval, Rosa criou o desfile da Paraíso do Tuiuti, que terminou em 8º lugar, no enredo sobre búfalos do Pará. Renato foi responsável por desenvolver a homenagem ao centenário da Portela, ficando num amargo 10º lugar. Posições incontestáveis, aliás. Mas bastou isso para que os dois não renovassem com nenhuma escola de samba no carnaval que vem. Rosa e Renato, cada um em seu estilo (ela, barroca e detalhista; ele, modernoso e high-tech), sofrem do mesmo mal. O etarismo (o preconceito com certa faixa etária) chegou aos artistas que mais se destacaram na Marquês de Sapucaí.
Rosa tem 76 anos, Renato tem 73. Na última década, o sambódromo viu chegarem carnavalescos mais jovens. Para citar alguns expoentes: Leandro Vieira, de 39; campeão pela Mangueira em 2016 e 2019 e agora com a Imperatriz; Leonardo Bora, de 36, campeão pela Grande Rio no ano passado (junto com Gabriel Haddad, de 34); e Tarcísio Zanon, também de 36, campeão com a Viradouro em 2020 (com Marcus Ferreira, de 39). Todos na faixa dos trinta e poucos, mas, em comum, o respeito aos dois mestres, sempre citados como referências.
Entre as torcidas de foliões sempre afoitos, tem-se usado adjetivos como “ultrapassados” e “velhos” para se referirem a Rosa e Renato, na vã explicação de sua recente ausência dos pódios. Como se experiência não contasse numa manifestação cultural tão enraizada nos saberes ancestrais, Rosa e Renato experimentam o etarismo, que se desnuda em tantas áreas da sociedade. Não seria diferente no carnaval.
Ao julgar a dupla (que nunca foi dupla, mas concorrentes) pela idade, o sambista torcedor, num gesto inconsequente, arranca do solo encharcado de glórias da Marquês de Sapucaí as raízes que impediam os desmoronamentos que ameaçam as escolas de samba. A propósito: Rosa ganhará em breve um documentário, pela Libas Criações, sobre sua trajetória artística. É um daqueles momentos para se lembrar que, um dia, tanto ela quanto Renato também foram apontados como jovens promessas que “modernizariam” o carnaval.
O carnaval sem Rosa e Renato é o fim de uma era.
Eras passam, óbvio.
Mas fico pessoalmente mexido. pic.twitter.com/kV8OE5VJPt
— Fábio Fabato (@Fabato) March 3, 2023