O receio de Bruno Fagundes de perder papéis ao se assumir gay
Ator está em cartaz em São Paulo com a peça ‘A Herança’
Recentemente, Bruno Fagundes, 33 anos, assumiu publicamente sua sexualidade. Com seu novo trabalho, o tema permanece quente em seus debates. Ele protagoniza a peça A Herança, que estreará uma nova temporada no Teatro Raul Cortez, São Paulo, no dia primeiro de junho, ao lado de Reynaldo Gianecchini. O espetáculo retrata diferentes gerações da comunidade gay americana e tem duração de mais de cinco horas. Bruno, que também tem a função de produtor, conversou com a coluna sobre o preconceito ainda vigente no país e a própria sexualidade, em paralelo com o seu personagem no palco.
Que relação você faz entre as diferentes gerações da comunidade gay americana e as do Brasil? Em algum momento a gente faz uma adaptação para a realidade brasileira, é uma adaptação bem fiel assim. É uma tradução mediante a aprovação, até porque o autor não aprovou a adaptação brasileira. Mas, respondendo à sua pergunta, a gente percebeu a universalidade do tema. A comunidade LGBTQIAPN+ tem um plano de fundo que serve tanto para a comunidade americana quanto para a brasileira.
Como esses grupos se assemelham? Muitos. Um dos pontos da peça, por exemplo, é a solidão gay. A gente lê muito texto e já tem falado muito sobre isso. É diferente até de uma questão racial, que você tem lá o seu irmão, sua irmã, sua mãe, seu pai, que servem como exemplo de representatividade. Às vezes, você sendo uma pessoa LGBT, é o único da família. E isso gera um deslocamento. A gente não teve modelos de representatividade saudáveis de afeto, de amor, isso é um ponto comum da comunidade. Não existe um LGBT que não tenha passado por momento de violência, de homofobia, é estrutural.
Você teria coragem de fazer essa peça antes de se assumir publicamente? A peça me inspirou, mas faria de qualquer maneira… É, a peça tem um paralelo com a minha vida, me emociona muito, reforça a importância do teatro para mim. A arte é uma manifestação do meu inconsciente, está sempre ligada com o que quero dizer no momento.
Quando você assumiu relacionamento (com o ator Igor Fernandez), seu pai (Antônio Fagundes) deu declarações de apoio. Como foi essa conversa? Foi de muito amor. Tenho sorte, privilégio de ter uma família que me apoiou muito.
No seu Instagram você não tem tantas fotos com o Igor. Tem algum receio? Eu faço produção da peça em que sou protagonista, a quantidade de trabalho de um produtor é insana. Não tenho tempo para ficar postando, confesso. Mas priorizo outras coisas, prefiro parar e ler um livro no meu tempo de descanso, ver um filme. Não é uma coisa que me pressiono para fazer. Mas não é receio nenhum, é simplesmente meu tipo de vida, como eu lido com as redes.
Ou uma forma de ter privacidade também, não? É, privacidade é um direito importante da gente lutar. A gente está nessa era onde todo mundo expõe tudo, o tempo todo. Postar aquilo que estou comendo no café da manhã parece tão banal, parece tonto. Sem nenhum tipo de valor, cada um faz o que quiser, mas me considero muito mais um artista do que uma peça da fábrica de celebridade ou do like ou da curtida.
Teve medo de perder papel na TV ao se assumir gay? Não, atualmente não, mas, claro, a homofobia está aí, existe o tempo todo. A violência é constante e a pressão da heteronormatividade também. Mas é uma besteira tão grande isso! Além de ser criminoso, né? É preconceito declarado o ator deixar de fazer um trabalho por ser gay. O que a sexualidade tem a ver com seu trabalho? Não tem nada a ver. E durante muitos anos, sim, existiu esse medo. Acho que o mercado era alimentado e sustentado por pessoas homofóbicas. Mas felizmente isso tem mudado, pelo menos na minha área.