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Vida de Imigrante

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Alegrias e agruras da maior diáspora brasileira da história, a partir do olhar de um entre os 5 milhões que formam o fenômeno.
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Hora de colher batatas

As estações do ano demarcadas, o outono das folhas caindo e os dias encurtando são o lembrete de que a natureza é sábia; nós, humanos, é que somos tolos

Por Edison Veiga 24 out 2024, 07h01
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  • A próxima é a semana do “feriado da batata” aqui na Eslovênia. Sim, existe isso. Chama-se Krompirjeve Počitnice e desejo-lhe boa sorte se quiser tentar pronunciar corretamente.

    Acostumado à vida urbana de São Paulo, onde morei por longos, prazerosos — e algumas vezes dolorosos também — 12 anos, nutro uma admiração gostosa pelas coisas que têm seus nomes atrelados às efemérides do campo. No caso, um feriado escolar inventado tradicionalmente porque no outono, quando a natureza começa a resignar-se à pausa necessária, é hora de colher os frutos.

    Nos tempos passados, a mão de obra das crianças e adolescentes era de grande valia para seus pais, nesta lida da colheita. Assim, decretou-se uma semana sem aulas.

    O tempo passou e na sociedade capitalista contemporânea felizmente a exploração do trabalho infantil deixou de ser aceitável — o contrário, ainda que ocorra em boa parte do mundo, deve ser entendido como exceção criminosa. Mas ficou o nome. Ficou a tradição.

    Que na verdade não é um privilégio esloveno. O cultivo de batatas nem é tão abundante por estas terras. A nomenclatura foi importada dos alemães — afinal, do Sacro Império Romano-Germânico ao Império Austro-Húngaro, foram séculos de dominação teutônica. Eles também conservam ainda o seu Kartoffelferien mais ou menos no fim do primeiro bimestre do ano escolar.

    Conserva-se o feriado, em suma. E conservam-se os vegetais — os diversos tipos de picles são, ao lado da produção caseira de licores e afins, uma espécie de esporte nacional.

    Ao vencedor as batatas. Também os pepinos, as cebolas, as pimentas e pimentões, os rabanetes e as cenouras. Outubro ou nada. Outono ou nada. Com as estações demarcadinhas como não as são no nosso Brasil de verde-bandeira o ano todo, é preciso ajustar vida ao tempo, trabalho ao clima, alimentação às possibilidades de cada época.

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    Narava je pametna, ljudje smo neumni, dizem os mais antigos por aqui. Ou seja: “a natureza é sábia; nós, humanos, é que somos tolos”.

    Antigamente, meses do ano eram chamados por termos que tinham a ver com a natureza

    As folhas amarelando, vermelhando, caindo são um lembrete de que tudo começa a se fechar. O dia encurta, daqui a pouco estará escuro às 4 da tarde. Logo é hora de botar pneus de inverno no carro, fechar os registros d’água do quintal. Os passarinhos rareiam. Os insetos, também. As roupas curiosamente mudam de cor, assumindo tons sóbrios, soturnos. Uma cerração trevosa se torna frequente na paisagem, sobretudo nas manhãs.

    Não sei se um dia irei me acostumar a isso. Mas também não sei se um dia deixarei de ver beleza nisso. Meu olhar é míope e estrangeiro, sempre será. Quanto mais aprendo, mais vejo poesia. No esloveno arcaico, setembro (september) era kimavec, um jeito de dizer que as frutas estavam balançando, acenando, esperando ser colhidas. Outubro (oktober) era chamado de vinotok — uma palavra que literalmente significa “fluxo do vinho” e que aludia ao período em que as uvas maduras começavam a se transformar na deliciosa bebida. Mais bonito ainda: novembro (november) era listopad, que significa “folhas caindo”.

    Há uma famosa canção eslovena, Čebelar (significa “apicultor”), cuja letra foi escrita por Slavko Podboj, que se apropria com muita honestidade desse clima outonal. Algum tempo atrás, me aventurei a criar uma versão livre em português. Ficou assim:

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    Canção do Apicultor

    Cai a tarde lá ao longe,
    escurece no meu rancho,
    cricrilam grilos ao arranjo,
    um convite ao descanso.

    O meu peito dói agora:
    é o outono que centelha,

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    vou sozinho até lá fora
    ver as velhas abelhas.

    Saúdam-me com seus sons,
    exalam aromas tão bons,
    que meu coração sacode

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    memórias da juventude.

    Velhas amigas abelhas,
    ao menos minhas amigas,
    jamais me esquecerei delas,
    minhas únicas amigas

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    O meu peito dói agora:
    é o outono que retorna,
    cricrilam grilos lá fora,
    o tempo roubou memórias.

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