Negrini de índia abre alas para outra fantasia: fiscal de cancelamentos
Rainha do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, a atriz até tentou se resguardar das críticas, mas não conseguiu
Quando achavam que a política de “cancelamento” – ato de deslegitimar quase sempre algum famoso na internet por apoiar ou reproduzir discursos opressores – não deixaria pedra sobre pedra no BBB 20, vem o anárquico Carnaval para manter todos confusos. O alvo dessa vez é a atriz Alessandra Negrini, rainha do Bloco Acadêmicos do Baixo Augusta pelo oitavo ano consecutivo. A festa aconteceu neste domingo, 16, na região central de São Paulo.
Sai ano, entra ano, Negrini é lembrada por estar à beira dos 50 anos a ainda causar o mesmo furor de quando estrelou a série Engraçadinha: Seus Amores e Seus Pecados há 25 anos. No Carnaval de 2020, ela puxou o tradicional cortejo carnavalesco paulistano vestida de índia.
Desde 2017, quando a artista e ativista indígena Katú Mirim lançou a hashtag #índionãoéfantasia, o assunto entrou em voga. Katú explicava por que, como índia, encarava a opção pela fantasia como racismo, e não homenagem. Na semana passada, ela chegou a relembrar o fato em post no Facebook. Desde então, é dado como fato pelos carnavalescos mais militantes de que já passava da hora de aposentar o cocar.
Quando a atriz apareceu esplêndida na concentração do bloco, no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, estava acompanhada de índios e da líder indígena Sônia Guajajara. Alessandra disse: “A luta indígena é de todas”. A antropóloga Debora Diniz chegou a tuitar “a imagem me provoca. A coalizão exposta pela realidade dos corpos e pela fantasia do Carnaval me perturba. Isso é bom”. Entretanto, o clima que tomou as redes rapidamente foi o de “UÉ? Pode ou não pode?”. O assunto ficou entre os dez mais comentados da rede social entre domingo e segunda.
Nessa altura da discussão, outra figura entrou em campo: a atualíssima fantasia de fiscal de cancelamentos.
Você é a lei
Na festa na qual o bom senso tira férias, o jornalista Victor Ferreira resolveu “ajudar” a resolver o que pode e o que não pode usar para se divertir no carnaval sem ofender ninguém. “Inspirado no cancelamento ao vivo a que assisti ontem, decidi hoje fiscalizar o Boitatá para que nada de mau acontecesse”, publicou, com uma imagem sua a caráter (colete, boné, bloquinho, etiquetas “cancelado(a)”, batom). Ele descreve um dia intenso de atividades: “Às 11h já eram mais de cinquenta cancelamentos por diversos motivos como fantasia inapropriada, fake news, enviar áudio e excesso de bebida. Vamos juntos”.
Ironia ou não, seu tuíte foi curtido por mais de 51.000 usuários e retuitado por 6.000 até a publicação dessa matéria. Inspirou muitos indecisos e entrou forte na competição com outras opções populares, como girassol, unicórnio ou diabinho (índio segue em queda).
E sim, também polemizaram o fiscal de cancelamento. Quem fiscaliza o fiscal? Um tuiteiro lembrou que você não pode infringir a lei se a lei é você:
Entre bagunça, apropriação cultural e representatividade, poucas conclusões foram tiradas a respeito de Alessandra Negrini, ou qualquer outra pessoa, poder se vestir de índia. Talvez a bênção de uma líder indígena fosse suficiente para criar uma exceção à regra, talvez isso abrisse um precedente perigoso para o aparecimento de outras fantasias ofensivas, como simular a negritude com o chamado black face. Se o mundo está chato, a militância está autoritária ou se no Carnaval vale (quase) tudo – e quem decide o que é “quase” – uma mensagem irônica faz refletir: “A sorte do índio é que ele tem o twitteiro a seu favor”.