Coragem ou medo disfarçado? Fuja do impulso… e da ressaca emocional
Reagir com impulsividade pode gerar mais arrependimentos que soluções. Por que a pausa faz parte do roteiro de viver com ousadia

O que você faz quando se sente desconfortável?
Talvez sua resposta imediata seja: “Fujo”. Ou quem sabe: “Fico paralisado”. Mas e se eu te dissesse que, muitas vezes, nós evitamos… reagindo?
Parece contraditório, eu sei. Mas essa é uma das formas mais sorrateiras de evitação emocional: a ação impulsiva. Aquela resposta automática, raivosa, rápida — que parece força, mas é fuga.
Em vez de paralisar, você acelera. Em vez de silenciar, explode. Em vez de se esconder, ataca.
Na última semana, começamos a falar sobre a evitação e como esse padrão invisível nos mantém presos, sempre tentando escapar do desconforto. Hoje, quero te convidar a dar mais um passo.
E por que isso importa? Porque agir no impulso pode parecer sinal de coragem, mas muitas vezes é só o medo tentando tomar o controle.
Ao longo dos últimos vinte anos, como psicóloga e pesquisadora, estudei e tratei centenas de casos que mostram como, diante do desconforto, nosso cérebro não quer saber se vamos agir com sabedoria. Ele só quer que a dor acabe. Rápido.
Mas viver com ousadia não é agir no calor do momento.
A roupa que eu vesti para me proteger
Nunca vou esquecer de um dia, ainda no início da minha trajetória acadêmica, em que entrei no trabalho e uma colega, sorrindo, me disse: “Hoje você está tão latina!”
A frase veio leve. Mas, por dentro, meu corpo entrou em alerta: O que ela quis dizer com isso? Estou chamando atenção demais? Será que não pertenço a esse lugar?
A sensação era familiar: um medo antigo de não ser suficiente, de ser “diferente demais”. E, antes mesmo de pensar, meu corpo já tinha decidido. Fui pra casa no meio do expediente. Troquei de roupa. Tirei a saia estampada e vesti algo neutro, sem cor. Uma tentativa silenciosa de apagar quem eu era, para caber melhor onde achava que precisava caber.
Na hora, parecia uma atitude racional. Hoje, eu entendo com clareza: aquela pressa em agir não era liberdade — era medo. Era o meu jeito de fugir da vergonha. Uma reação disfarçada de decisão.
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O modo de sobrevivência que chamamos de urgência
O impulso de reagir tem base biológica. Quando o cérebro percebe uma ameaça — mesmo que seja um e-mail, uma crítica ou uma frase ambígua — ele entra em modo de sobrevivência. A amígdala assume o comando, o raciocínio sai de cena e nós entramos em ação.
Parece urgência. Mas, no fundo, é só uma tentativa de calar o desconforto.
Não sei se você já viveu a experiência de voltar às pressas para casa no meio do expediente para trocar de saia, mas tenho certeza que você já vivenciou um tipo clássico de evitação por impulso: responder no calor do momento.
Essa foi uma cena que vivi e me marcou: era noite, eu estava exausta, e abri um e-mail de um colega com quem já tive vários atritos. No assunto, estava escrito: “Colaboração” — bastou isso para o meu coração disparar.
Na hora, minha mente começou a gritar: “Claro que agora ele quer colaborar, justo quando o financiamento veio pra mim. Mas quando era o dele, nem olhava na minha cara!”
Senti o calor subir no corpo. Raiva. Frustração. Injustiça. E, em segundos, já estava escrevendo um e-mail de resposta — longo, direto, e com aquele tom afiado que parece verdade, mas vem da dor.
Foi como se, ao digitar, eu estivesse me defendendo, recuperando o controle e lavando a alma. Senti um alívio imediato.
Mas, antes de clicar em enviar, algo em mim parou. Imaginei o dia seguinte: a ressaca emocional, o estrago nas relações e a culpa. Então, reconheci: aquilo era só uma fuga disfarçada de ação.
Respirei fundo.
Não enviei e, depois, marquei uma conversa pessoalmente. Naquele dia, pausar foi muito mais difícil — e muito mais ousado — do que reagir.
Já vi isso muitas vezes na clínica. Clientes que mandam mensagens impulsivas, levantam a voz para não sentirem vulnerabilidade e se sobrecarregam de tarefas para não lidar com emoções difíceis.
Funciona, mas tem um prazo de validade até a conta chegar. E ela sempre vem: culpa, arrependimento, relações desgastadas, e a falsa sensação de que o problema está sempre no outro, ou na situação.
Quando, na verdade, o que está sendo evitado é o que está dentro.
Pausar é mais ousado do que reagir
Reagir não te torna uma pessoa fraca, nem impulsiva por natureza. Reagir te torna humano.
Mas se você quer viver com mais intenção — e menos arrependimento — precisa exercitar um novo movimento: o da pausa.
Gosto de pensar na pausa como aquele pequeno espaço entre o que acontece e como a gente escolhe responder. É nesse intervalo que mora a liberdade e é ali que a ousadia começa.
Da próxima vez que sentir o impulso de agir, experimente se perguntar: estou respondendo com intenção ou tentando fugir do desconforto?
Você pode se surpreender com a resposta. E, principalmente, com o alívio de perceber que nem tudo precisa ser resolvido na hora.
Reagir alivia. Mas responder… liberta.
Na pressa de resolver tudo rápido, às vezes, nos afastamos do que realmente importa pra — das coisas que têm significado, que mostram quem queremos ser de verdade.
Responder com clareza não é ser passivo. É sobre estar presente e escolher como agir, mesmo quando a emoção grita por urgência.
Se quiser, me conta: qual é a situação em que você costuma reagir no impulso? O que costuma te tirar da intenção e te jogar no automático?
Talvez, você não consiga mudar tudo hoje.. Mas pode fazer algo muito mais poderoso: perceber.
Viver no automático é fácil. Escolher com intenção exige ousadia.
Você não precisa se apressar. Nem acertar sempre. Só precisa escolher, aos poucos, o caminho que te aproxima de quem você quer ser.