Não há botox, plástica ou tratamento estético que esconda a idade de quem não faça um tratamento cirúrgico na própria linguagem. Eu estava lendo Baixo Esplendor, do Marçal Aquino — um ótimo livro, por sinal —, que se passa nos anos 70. Os personagens, por exemplo, correm para atender o telefone. Não que isso jamais ocorra atualmente. Mas em geral as pessoas usam celular e, quando toca, ninguém corre. Basta tirá-lo do bolso ou da bolsa. Expressões como “vou bater o telefone na sua cara” são obsoletas. Vai bater o quê? O celular? E quebrar, no preço que está? Algumas, mais antigas, como “tirei seu nome da minha caderneta”, não se dizem. Não se usa mais a velha caderneta de endereço. Hoje é tudo digital. Tudo bem, algumas pessoas usam, mas são dinossauros apegados ao passado. No mesmo livro há um Gordini. Quem se lembra do Gordini? É o mesmo que se recordar do Orkut, embora sejam de épocas absolutamente diferentes. Fale com um garoto de 14 anos. Não saberá nem o que é um, nem o outro. Possivelmente, também não saberá quem foi Dostoievski, o que é mais inquietante. Mas todos conhecem uma legião de influencers com milhões de seguidores — e eu, não.
A necessidade de atualização é constante e cruel. Imaginem para mim, que sou dos tempos da máquina de escrever. Do xerox. Até pouco tempo, um amigo deixava um recado na secretária eletrônica: “Envie um fax”. Não tem mais secretária, nem fax! O modo de falar nem sempre acompanha a velocidade das inovações. Até pouco tempo eu nem sabia o que era TikTok e ele já estava no auge. Surgem palavras como “monetizar”. Que vem de money e significa gerar dinheiro, tornar lucrativo A linguagem dos computadores entrou para o dia a dia e já se fala em “deletar” alguém de sua vida.
“Nunca a linguagem foi tão fluida. Já aguardo a próxima novidade para saber que palavra devo aprender”
A linguagem muda tão rapidamente que de um dia para o outro corro o risco de falar de um jeito antigo. A mudança não é só impulsionada pela tecnologia. Também há a questão das palavras de origem racista, expressões que atingem a mulher ou homofóbicas. Não saia, por exemplo, dizendo que alguém é gorda. No máximo, sobrepeso ou plus size. Ou pode até ser acusado de gordofobia e levar cadeia. Eu até me admiro porque a palavra “curtir”, que passou a ser usada na minha adolescência como gíria ligada ao uso da maconha, continua on. Sobreviveu. Falo curtir com tranquilidade, e me consideram avançado, ainda bem!
Pesquisa agora é no Google. Fala-se em “googlar” um nome. E lá vem a biografia, fotos… Recebia-se um calhamaço anual: era a lista telefônica. Hoje, nada mais antigo que ameaçar “vou tirar você da minha lista”. Cadê a lista? Encontra-se alguém mais rapidamente pelo Facebook, pelo Instagram… Outro dia, em um texto original para adolescentes, usei a palavra “stories”. A editora me advertiu: pode desaparecer. Substituída por uma nova tecnologia.
Nunca a linguagem foi tão rápida, tão fluida. Já aguardo a próxima novidade para descobrir que palavra devo aprender.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2021, edição nº 2750