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Walcyr Carrasco

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Amigos caloteiros

O espinhoso dilema diante dos pedidos de ajuda em dinheiro

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h00 - Publicado em 25 set 2022, 08h00

Já dizia meu avô: nunca empreste dinheiro, pois perde-se a quantia e o amigo. Meu pai referendava o conselho. Mas acabou emprestando a um parente nem tão próximo, levou o calote, deu briga e processo. Ajuda financeira é, frequentemente, perdida. Minha funcionária vive louca com os calotes: uma amiga pede para fazer o crediário em seu nome. Pois a amiga, ela própria, está com o nome sujo. Ela concorda em ajudar. Depois, a outra não paga as prestações. É obrigada a assumi-las. Um rombo no orçamento. Um amigo meu foi mais longe. A namorada pediu para comprar um carro, pois estava protestada e precisava muito. Ele topou. Ela só pagou uma prestação. O banco tomou o veículo. Leiloou. Algum tempo depois, ele descobriu que continuava com o nome sujo. “Mas o carro não foi leiloado?” Foi, sim. Mas o total do leilão não chegou nem perto do valor da dívida, devido aos juros. Ele continuou no vermelho sem saber. Foi obrigado a pagar tudo, quase um carro novo. Detalhe: estava desempregado. É o que sempre digo: se a pessoa perdeu o próprio nome, por que vai se preocupar com o seu?

Ser fiador de aluguel é o caos. Parece antipático dizer isso. Mas já conheci muita gente que vai comprar algo e descobre que não pode. Levou um processo por falta de pagamento. Ninguém avisou, nem mesmo o amigo a quem fiou.

Diante de todos esses exemplos, nunca costumei emprestar. Mas… (sempre tem um mas…). Eu tinha um grande amigo, dono de uma empresa. Um dia me liga: tinha vendido sua parte. Mas o sócio não pagou. Pior: ainda devia uma parte do apartamento diretamente ao vendedor. Este já lhe dera até uns tapas na cara. Pelo que entendi, ameaçava-o de morte. Emprestei. Mas, a conselho da minha prima, pedi uma promissória.

“Quando chega a data de pagar, nem telefonema, nem explicação. Jurei de novo: jamais emprestar”

Os meses se passaram. Pelo Instagram, descobri que meu devedor viajara para a Europa. Também pelos posts, nada de vender o carro. O padrão de vida de sempre. Só a amizade se esvaiu: não me ligou mais. Depois de um bom tempo sem tocar no assunto, mandei cobrar. Propôs quatro prestações, que aceitei. Pagou a primeira e parou. Diante de nova cobrança, abriu o jogo. O sócio não tinha pago, estava devendo a várias pessoas. “Pode protestar, vai ser só mais um” — declarou. Ofereceu um relógio para ressarcir a dívida e aceitei. Não que quisesse o relógio. Mas como reparação.

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Eu me senti um perfeito idiota, caí na mesma armadilha de todos. Perdi a grana e o amigo, de quem gostava muito. Velhos ditados estão certos, mas às vezes o coração fala mais alto. O que me dói é descobrir que o coração de quem deve é mudo. Na hora de pedir, não faltam lágrimas, desespero. Promessas… Quando chega a data de pagar, nem telefonema, nem explicação. Até existem alguns caloteiros que dão satisfação, mas fica por aí.

Não é justamente ao amigo que mais ajudou na hora da necessidade que a pessoa deveria dar preferência, no mínimo conversar?

Jurei de novo: jamais emprestar, ceder o nome. Melhor doar.

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Assim vou me comportar. Até o próximo, porque, ui, tenho coração mole!

Publicado em VEJA de 28 de setembro de 2022, edição nº 2808

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