Festa é bom quando chega ao fim. Explico. Acho uma delícia se fica um grupinho batendo papo horas e horas. Agito só de vez em quando. Sempre me certifico: é encontro entre amigos ou pré-Carnaval? Mas aí é que tá. Sempre tem o tipo que finge adorar um bate-papo. De fato quer fazer um showzinho particular. Cantar, tocar, declamar. Muitas vezes estou em uma rodinha de amigos. Cada um falando de esperanças, últimos e novos amores, da vida, enfim. Um sujeito chega com um violão. Senta-se e começa a dedilhar. Entoa uma musiquinha. Há um código não escrito: se alguém começa a cantar, as pessoas se calam. Um ou dois ainda se refugiam no terraço. Os restantes ouvem, queiram ou não. Em minutos, um coro de vozes desafinadas acompanha. Acabou-se a festa, a conversa, o papo. Fazer o quê? Pedir pra se calar? Eu dou uns minutos, solto um tchauzinho de longe. O artista ainda grita: “Fique, fique”. Faço cara de preocupação e olho o relógio. Há situações mais radicais. Por exemplo, se há um piano na sala. Nesse caso, frequentemente, o dono ou dona da festa resolve mostrar seu talento. Senta-se na banqueta e martela, martela… Se tento ir embora, protestos: “E o bolo, tem que esperar o bolo”. Sou obrigado a passar pela tortura, enquanto vozes esganiçadas acompanham hits do momento — ou, devido à minha idade e dos amigos, de vinte ou trinta anos atrás.
Eu gosto de música. Só não quero me tornar plateia de shows improvisados, inesperados. Pior é quando a anfitriã, que foi bela antes de se afogar no silicone, me diz : “Eu ainda podia cantar em uma novela sua, não podia?”. Dizer o quê?
“Os convidados querem mais um drinque e um pedaço de bolo. Cantar? No máximo os parabéns”
Também adoro poesia. Li a obra de Fernando Pessoa. Na escola decorei Casimiro de Abreu. Leio muita poesia, já tentei meus versos. Sou encantado com autores nos quais o sentimento poético está presente no texto, como Clarice Lispector. Mas… ai… é muito diferente quando alguém resolve declamar sua última produção na sala, para os convidados. Ou quando anuncia: “Vamos fazer um sarau”.
De novo: qualquer regra proíbe calar versos. Por mais pavorosos que sejam. Raramente alguém entende de poesia (eu mesmo, só o mínimo). Mas como é uma arte erudita, celebrada, fica feio dizer “não gosto”. Todo mundo finge que ama. O poeta recita e recita, todos que conseguem fazem olhar sensível. Os outros entediados. Como é sarau, outro é convidado, querem que eu recite também. Fujo. Por ser escritor, é comum acreditarem que faço versos. Há conhecidos que me enviam longas poesias por WhatsApp. Mal consigo ler, mas respondo com palavras gentis.
Ai de mim! Quando criança, recitava poesias em festas. Do alto de uma cadeira. Todo mundo aplaudia, como se eu fosse um gênio. Logo descobri que ninguém prestava atenção e só queriam se ver livres de minha voz esganiçada. O mesmo acontece com cantores, violeiros, pianistas… Em festas, os convidados na verdade querem mais um drinque e um pedaço de bolo. Cantar? No máximo os parabéns.
Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780