Tão claro quanto a luz do sol, eu percebo que a vida não é linear. Ao contrário do que muitos pensam, ela está mais para um círculo, com altos e baixos, direitas e esquerdas, e os sonhos que fazem o coração bater mais forte. Quando eu dei meus primeiros passos na minha trajetória, era apenas um garoto indeciso e até mesmo pouco informado. Porque as decisões são tomadas à medida que a vida acontece, e não como um projeto arquitetônico em que cada maçaneta já está no lugar previsto. A vida vai acontecendo, mas ela também nos conta como é. Por isso gosto da comparação com ondas, onde um momento se sobrepõe a outro, os fatos se entrelaçam e uma decisão ou um acontecimento que parecia bobo mais tarde, que surpresa, se revela o alicerce de tudo.
Uma amiga atriz me contou que, para ela, sua profissão era semelhante a pegar uma onda. Há de se ter técnica e o fortalecimento de certos músculos antes de se subir na prancha, há de se conhecer minimamente o mar e seus ciclos para saber a hora certa de entrar, ops…, e também de sair. Mais que tudo, há de se saber nadar. E, quando finalmente a gente consegue ficar de pé na prancha e surfar, existe um outro que foi mais rápido, um terceiro que caiu e tomou um caixote. Se conseguir chegar até o final, parabéns, você já pode voltar a furar as ondas em busca de outra oportunidade de se erguer. Sabendo que o inesperado pode acontecer. A amiga que era atriz vive hoje na selva amazônica dentro de uma comunidade indígena. O garoto indígena pode se transformar em um modelo nas passarelas internacionais. Uma prima se formou em língua inglesa na UnB, conseguiu um estágio em Washington D.C., fez uma especialização na área da saúde e hoje é a principal responsável pelas pesquisas do departamento da América do Sul na ONU. O que vivemos hoje pode ser apenas um livro que estamos lendo para saber no que vamos nos tornar num breve futuro. Existe uma ansiedade na decisão do que nossos jovens vão ser. Como se essa decisão fosse algo que não pudesse ser mudado. Caminho se conhece andando.
“Tão claro quanto a luz do sol, percebo que a vida não é linear. Está mais para um círculo, com altos e baixos”
Para Daniel Munduruku, nunca se deve perguntar para uma criança o que ela vai ser quando crescer. Essa pergunta implica tratá-la como adulto em miniatura, um projeto. Criança precisa ser criança e cabe aos adultos oferecer as condições para que o sejam, única garantia de adultos saudáveis.
Abraçando a imponderabilidade, conseguiremos sobreviver às inúmeras tentativas de fazer você se afogar nesse mar daquilo que for ilusão a seu redor, o que o impediria de cumprir o propósito maior, que é ser diverso, diferente, autêntico, singular, autoral. Penso que só será possível ser autoral se conseguir ser você, no exercício do singular. Por isso, temos de colocar a cabeça pra fora desse mar e respirar fundo. Não se afobar. Não se afogar, sobreviver. Há muito a percorrer e nadar. Penso que você é um bom nadador.
Termino esse texto com uma música do mestre Lulu Santos na cabeça: “Nada do que foi será / de novo do jeito / que já foi um dia / tudo passa / tudo sempre passará”.
Como uma onda no mar.
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861