
O sexo ocupou o lugar do romantismo? Há um certo tempo, não tão distante, enviar flores, criar poesias e falar dos sonhos era uma forma de falar de amor. Inclusive de chegar ao sexo, mas este parecia uma consequência de todo o sentimento envolvido. Acabar, o romantismo não acabou. Mas foi substituído por aproximações mais simples. Como perguntar pelo celular: onde, a que horas? O amor pode estar envolvido ou não nessa relação rápida. Boa parte das vezes, nem de longe se pensa em amor de verdade. Conheço um adolescente que saiu com a garota do mesmo colégio. Foram no cinema. Acabaram transando no toalete adaptado para deficientes, em consentimento mútuo. Ah, sim, nem se encontraram depois, ou marcaram algum compromisso visando à estabilidade da relação. Nada contra, embora eu não ache o toalete o melhor lugar para viver o amor. Nem mesmo é confortável, imaginem. Só que há uma certa frieza em tudo isso. Eu sou de um tempo em que se falava em poesia, se visitava a família, buscava-se uma certa profundidade. Claro que tudo isso existe ainda. Mas essa rapidez também está destruindo a chance de construir um relacionamento mais forte. Escadas se sobem por degraus. Relacionamentos também se consolidam a cada passo. Não é à toa que nos tempos d’antanho, cortejava-se. Os casais namoravam na sala, bem vigiados pelos pais. Beijos eram roubados no portão. A mão boba existia, mas era um gesto secreto, ao mesmo tempo que desejado. Todas as datas que hoje comemoramos, inclusive o Dia dos Namorados, eram motivo para no mínimo comer um saquinho de pipocas juntos. A garota se preparava para ver o escolhido. Ele penteava o cabelo, e muitas vezes aparecia com um capacete de brilhantina e o coração batendo forte. Porque, sim, havia emoção pelo simples fato de ambos se verem. Isso está cada vez mais fora de moda. As relações acontecem, muitas vezes apressadas, com o mínimo de conhecimento mútuo. A palavra namoro perdeu o sentido apaixonado, foi substituída pela expressão “ficar juntos”, seja lá o que isso signifique.
“Ninguém exige mais a virgindade dele ou dela. Hoje, basta dizer: ‘Estou na sua, você está na minha?’ ”
As relações humanas foram mudando, em boa parte evoluíram. Pais já permitem que os filhos levem a namorada ou namorado para dormir em casa. Nada mais coerente, ainda mais em um mundo violento, onde o antigo pega-pega no carro virou um risco de vida, com tanta bandidagem à solta. Sem falar nos riscos para a saúde, nos motéis e hotéis de alta rotatividade. Ninguém mais exige a virgindade dela ou dele, até em famílias religiosas. E, para falar a verdade, algumas religiões são estritas em relação ao tema, outras mais complacentes. Quando jovem, eu soube de uma moça que foi expulsa da igreja por dormir com o namorado. Foi uma atitude violenta e chocante. Hoje, pode até acontecer, mas é raro, raríssimo. Entretanto, os gestos de sedução, nos quais o amor era construído com delicadeza e carinho, foram perdendo seu lugar. Hoje em dia, basta dizer: “Estou na sua, você está na minha?”. Ou algo equivalente. Até acredito que muitas vezes dá certo, como os amores de antigamente. Só que com o romantismo tinha mais graça, porque amar alguém era um sentimento que mudava a vida.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937