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E se perder o celular?

No Carnaval, eu constatei quanto somos dependentes dele

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h29 - Publicado em 26 fev 2023, 08h00
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  • Passei o Carnaval no Rio. As ruas repletas de gente. Em algumas, nem carros entravam. O jeito foi andar a pé. Tremi. E se alguém roubasse meu celular? Andei apavorado, fugindo pelas calçadas. Até agora, estou ileso. Sem celular não dá nem para chamar um carro por aplicativo. Pagar conta? O cartão está no aparelhinho e a gente resolve por aproximação. Passagem de avião? Check-in agora é digital. Reunião de trabalho? Simples ligação de vídeo.

    O primeiro aparelho que eu tive era semelhante a um tijolo, pesado. Mal efetuava as ligações. Um trambolho. Foi diminuindo, e o uso aumentando. Antes eu sabia o telefone de todos amigos. Hoje não sei mais de ninguém. Sem celular não tenho nem como chamar alguém e pedir socorro! A telinha mágica traz uma novidade atrás da outra. Facebook, Twitter, Tinder… Bem, o Tinder… Sou da época da tabuada. Ainda multiplico, divido… Não passo de um dinossauro. Ninguém mais calcula. Tecla.

    “Quando tudo isso começou? Não sei dizer. Mas é fato. Impossível ficar sem o aparelhinho. A vida desmorona”

    Tanta coisa obsoleta! Máquinas fotográficas, por exemplo. Na faculdade, quis aprender fotografia, no Sesc (segredo até hoje guardado). Era preciso abrir a máquina no escuro, para não expor o filme à luz. Depois do clique, a gente se trancava em um quarto escuro, só com uma luzinha vermelha. Revelava-se o filme. Projetava-se a imagem em papel especial. Tudo ainda no escuro. O papel era mergulhado em vários produtos químicos de cheiro pavoroso. Só então se via a imagem. Usava-se muita adivinhação em todo o processo. Só se sabia o resultado depois de revelada e impressa (ou em slide, no caso para projetar)! Os fotógrafos jornalísticos viviam em constante tensão. Uma imagem necessária e difícil podia ficar ruim. Sem chance de refazer. Com o celular (e óbvio, a câmera digital), sabe-se no instante como será. Os profissionais usam, sim, câmeras digitais, mas no dia a dia o celular impera.

    Listas de convidados para um lançamento de livro, por exemplo? Basta escolher os nomes na memória e enviar para todos ao mesmo tempo. Esses são só uns exemplos bem simples, porque a cada dia surgem novas e fascinantes utilidades, daquelas que a gente não sabe como vivia sem antes de serem inventadas. Inclusive, compras! Roupas, casas, o mundo!

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    Agora você entende meu pavor ao sair pelas ruas lotadas em pleno Carnaval. Para fazer uma ligação, entrei num supermercado que estava fechando. Pedi abrigo durante o tempo da chamada. Alguém poderia passar correndo, bater na minha mão, pegar o dito-cujo e adeus! Eu estava certo. Mais tarde, em um táxi, o motorista me contou que fora assaltado mais cedo. Sem celular, não tinha como trabalhar por aplicativo, que é como funcionam muitas das corridas hoje em dia. Ia sofrer um prejuízo e tanto!

    Não estou dando exemplos para convencer ninguém, só constatando. Sem celular, a vida desmorona. Desde quando tudo isso começou, quando se tornou um pilar da existência? Não sei dizer. Mas é fato. Impossível ficar sem celular. A vida desmorona. Um terror.

    Publicado em VEJA de 1º de março de 2023, edição nº 2830

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