
Acordo decidido. Hoje vai ser diferente. Começo o dia com um suco detox que parece ter sido feito com grama de pasto. Almoço uma folha de alface que chora de solidão no prato. Recuso a sobremesa com a dignidade de um monge tibetano. E à noite… bem, à noite… o regime se transforma em uma fome insaciável, que me faz atacar a geladeira e atacar até aquele pedaço de queijo velho que está no fundão, esquecido. Sou uma vítima, ou melhor, membro honorário do temido efeito sanfona — esse fenômeno que me faz viver num eterno “antes e depois” de propaganda de academia. Há vezes em que estou quase fitness, enquanto na maior parte do tempo estou com vários — ou melhor, muitos — quilos a mais. A vida é feita de emoções e chocolate. Sendo bem honesto, a vontade de comer um pãozinho quente é mais forte que qualquer plano alimentar feito por um nutricionista que nunca provou um pastel de feira.
Fazer regime, eu faço. Quem não faz? Mas há dois inimigos fatais. Um deles é a presença constante de uma demônia que incorpora na mãe, na namorada, na melhor amiga a nos dizer, ao oferecer uma empadinha: “Só hoje”. A expressão “só hoje” é o caminho do despenhadeiro. Depois de rompida a fronteira, tudo leva a mais e maiores exceções. O “só hoje” é parente próximo de “um pedacinho só”, “uma vez não tem importância”… tudo isso digo com voz sedutora, destinada a quebrar o regime. E quebra.
“As pessoas acham que dieta é sinal de força de vontade. Esquecem o que é conviver com bufês e aniversários infantis”
O efeito sanfona não é só físico. É emocional. É um sobe e desce da autoestima, do julgamento alheio. É um espelho que um dia me elogia e no outro me trai. Quem nunca caiu em tentação que atire a primeira fatia do bolo. Mas também… socorro! Causa rombos financeiros. A calça não fecha mais. Se vou fechar o colarinho, quase me enforco. Já nem troco mais de guarda-roupa. Guardo as roupas de gordo para usar num futuro próximo (tomara!) e retomo as de magro quando perco uns quilinhos.
As pessoas são cruéis. Se estou em um regime, oferecem uma delícia na primeira oportunidade. Insistem. Para seguir em frente com um programa de perda de peso, é preciso ser firme e indelicado. Dizer não. Mesmo porque boa parte da humanidade adora ser “fiscal de regime”. Quando duas pessoas se encontram, é comum alguém começar: “Tudo bem? Emagreceu?”. Ou pior: “Nossa, como você engordou”. E eu me defendo, dizendo: “Estou começando um regime”. Algumas pessoas aproveitam a chance para descrever todos os malefícios possíveis da gordura. Finjo interesse e acolhimento. Quando na verdade só quero dizer: “Vá tratar de sua vida”. Mas polidamente fico quieto.
As pessoas acham que dieta é sinal de força de vontade. Esquecem que viver em sociedade é conviver com bufês livres, aniversários infantis e panetones fora de época. A verdade é que cada quilo a mais carrega uma história, uma memória. Sei que estou apenas vivendo. E viver com chocolate é mais gostoso! Se subi dois números, paciência. Amanhã será outro dia. Talvez com suco verde. Provavelmente, com uma lasanha.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945