Fui um tipo de menino nerd, que na época era chamado apenas de estudioso. Minha família não era apaixonada por livros. Surgi como um estranho no ninho. Logo que descobri a biblioteca da cidade, tornei-me frequentador habitual — mais ou menos quando tinha uns 9 anos de idade. Lia por intuição, quase sem indicação. Minhas paixões literárias iam de Andersen a Jorge Amado (uma paixão não tão inocente que, aos 14 anos, me fazia ferver). Presente? Aniversário, Natal, só pedia livros. Passei pelos romances, ficção científica, policiais… Quando pude, comecei a comprar. E o que era uma paixão transformou-se em compulsão. Ainda mais com a chegada das livrarias digitais. De vez em quando, me dá uma espécie de piração e escolho livros que intimamente tenho consciência de que nunca lerei. Até porque tenho fases. Já fui da vida dos polvos ao Cosmos, de Carl Sagan. Minha primeira estante com três prateleiras, modesta, hoje tornou-se um emaranhado que ocupa quartos, sala… Inclusive de livros repetidos. Sim, eu esqueço e compro de novo! O ideal é distribuir exemplares já lidos, mantendo apenas os essenciais. Impossível. São poucas as bibliotecas que aceitam livros, por falta de mão de obra para catalogar (ou algum outro motivo secreto). Uso também o estratagema de “esquecer” livros em lugares públicos. Com um recado, dizendo que esqueci de propósito, para a pessoa se apossar, ler e, quem sabe, “esquecer” de novo. Mesmo assim, pilhas se amontoam pela casa. Se alguém me visita e acha um título interessante, ofereço:
— Pode levar.
— Não, não, estou sem tempo agora, vou demorar pra devolver.
Após um embate, a pessoa sai com o livro e eu respiro fundo: menos um!
“Minha paixão por livros chega perto da loucura. E daí? A presença de cada um deles me faz feliz”
Mas só por enquanto. Em um dia ou dois estarei com a pilha mais alta. Há um fator positivo nessa obsessão. Eu me sinto confortado ao me ver cercado por montanhas de livros. Razão pela qual nunca me entreguei aos digitais. Gosto mesmo é de livro de papel, com peso, volume. Mas, na próxima viagem, quem sabe a hora do digital chegará? Tenho mania de carregar uma pilha de livros na mala. Muitíssimo melhor será num dispositivo digital. Por essas palavras, você já percebeu o projeto: continuar acumulando livros, de um jeito ou de outro. Porque eu simplesmente não sei viver sem eles.
Orgulhosamente, eu sigo em frente, mergulhado em um mar de livros, onde às vezes reencontro algum que já li. E o fato de ler de novo me enche de prazer, de novas percepções. Bem, eu escrevi as linhas acima simplesmente para preparar as próximas. Sim, eu repito livros. Mas muitos não leio. Compro no impulso, às vezes dois ou três e depois chegam mais dois ou três. O caos se instaura. Se alguém vai me visitar e, de olhos arregalados, pergunta:
— Você já leu todos?
— Quase — respondo falsamente.
Jamais conseguirei, nem em 200 anos. Sei disso. O que prova que, definitivamente, minha paixão por livros chega perto da loucura. E daí? Loucura ou não, a presença permanente de cada livro me faz feliz.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2024, edição nº 2904