
Outro dia, pensei em trocar de carro. Sempre tive automóveis escuros, até discretos. Mas tive um surto e voltei à adolescência: sonhei com um vermelho, esportivo, exuberante. Desde então, parecia que São Paulo tinha virado a Disneylândia dos vermelhos. Cada vez que saía, só dava carro vermelho na minha frente. No trânsito, estacionado no meio-fio, no outdoor, e principalmente dentro das lojas. Juro que vi um Fusca cereja dando piscadinhas para mim. Coincidência? Não. É o olhar. A verdade é que nosso olhar tem GPS emocional. Quando deseja, ele rastreia. Quando teme, também.
Se você nunca reparou nisso, comece agora. Quando quero emagrecer, o algoritmo se transforma em um sabotador. Pipocam imagens de pizzas trufadas, cheeseburgers com queijo escorrendo e aqueles sorvetes que pingam só de olhar. Parece que o universo conspira contra meu regime. Mas é só o foco que muda. E, com ele, a lente que usamos. E a lente, meu caro, muda tudo. Uma amiga ficou grávida e, de repente, o mundo se encheu de barrigas. “Onde estava essa multidão de grávidas antes?”, ela me perguntou. “Ué, estavam lá”, respondi. De fato, sempre estiveram. Mas só ficaram visíveis quando o olhar dela estava programado para enxergar.
“A paixão é o Photoshop da realidade: embeleza tudo com a imagem de quem amamos. Isso é fascinante”
O amor é o maior hacker do olhar. Quando estamos apaixonados, a pessoa amada aparece em tudo: na musiquinha do elevador, no som ambiente da farmácia, no penteado do lulu-da-pomerânia da vizinha, na garçonete que tem o sorriso semelhante. A paixão é o Photoshop da realidade: embeleza tudo com a imagem de quem amamos. O ódio também: depois da briga e do rompimento, todo olhar torto, ou sorriso de canto de boca, parece uma lápide que lembra o ex. Esse filtro seletivo é fascinante. Revela mais sobre cada um de nós que o espelho. Mostra o que queremos, o que tememos, o que estamos prontos para ver ou evitar. Também explica muita coisa: por que às vezes achamos que todo mundo está nos julgando (quando, na verdade, só estamos julgando a nós mesmos)? Ou por que, depois de levar um fora, o mundo parece um desfile de casais de mãos dadas (e com o sol lindo, que raiva!)?
O olhar é seletivo por natureza: ele filtra, destaca, elimina. E, ao fazer isso, molda a minha, a sua, a nossa experiência no mundo. Não é à toa que tanta gente jura que o universo está mandando sinais. Mas talvez não seja o universo. Talvez sejamos nós mesmos, olhando como quem quer acreditar. Então, da próxima vez que você só enxergar bolos de chocolate quando jurou fazer dieta, ou casais apaixonados quando jurou esquecer alguém, sorria. É só o seu olhar brincando de escolher o que quer ver e aproveitando para dar algumas punhaladas cruéis. E quer saber? Isso pode ser libertador. Porque, se podemos programar o olhar para ver o que queremos, talvez também seja possível ensiná-lo a enxergar o que realmente importa. A vida muda quando mudamos o foco. O mundo continua o mesmo, mas o nosso olhar faz toda a diferença.
Publicado em VEJA de 25 de abril de 2025, edição nº 2941