Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Imagem Blog

Walcyr Carrasco

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Vida ou reality show

A compulsão em gravar e postar a rotina alheia passou dos limites

Por Walcyr Carrasco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h19 - Publicado em 31 jul 2022, 08h00

Eu estava à procura de um livro fora de circulação. Finalmente encontrei alguém que tinha. Gentilmente, o dono se ofereceu para trazê-lo. Aceitei. Quando chegou em minha casa, convidei para entrar, tomar um café. Mal botou os pés na sala, ele sacou o celular. Começou a gravar tudo, falando que era minha casa, mostrando os quadros, invadindo minha intimidade. Eu já estava disposto a atirar o livro na cabeça dele. Enfim, pedi para parar. Ficou ofendidíssimo. Lembrou do esforço que tinha feito para trazer o livro. A visita se transformou em um bate-boca. Ele foi embora, e não nos falamos desde então. É incrível como as pessoas fazem tudo por um story. Acham absolutamente normal falar da vida, dos hábitos e da moradia de alguém. Pode parecer surpreendente, mas há quem prefira não fazer alarde da própria intimidade.

Há algum tempo, uma conhecida fez uma plástica. Contratou um enfermeiro para acompanhá-la em casa. Dois ou três dias depois, ainda de cama, um amigo avisou: o enfermeiro estava postando toda a casa. Foi verificar. Descobriu que ele passava a maior parte do tempo fazendo fotos e vídeos. Inclusive dela, que é uma pessoa conhecida, com os curativos. Horrorizada, ela criou suspeitas. As fotos poderiam atrair um ladrão. Sua aparência estava péssima, e os pontos e as cicatrizes seriam um prato cheio para a imprensa (só não saíram porque o rapaz quase não tinha seguidores). Naquela época, ter nuvem virtual não era tão comum. O rapaz não deveria ter. Não teve dúvidas: ela resolveu dar um jeito no celular do enfermeiro.

Tramou com sua funcionária do lar. Enquanto o enfermeiro cuidava de minha amiga, a funcionária mexeu nas coisas dele e roubou o celular. Escondeu-se na cozinha. Dali a pouco, o rapaz deu por falta do aparelho. Entrou em pânico — como viver sem celular?

“Me sinto invadido quando estou num restaurante e começam a fazer stories. As pessoas perderam a noção”

Minha amiga fez um teatrinho: “Onde pode estar esse celular?”. A funcionária subiu para “ajudar” a procurar. O celular começou a tocar no bolso dela, que deu uma desculpa e fugiu. O enfermeiro tinha certeza. Tinha deixado o celular em seu quarto. A melhor atitude que a funcionária encontrou foi passar com o carro em cima do celular. Deu rolo. A confusão foi tremenda. Minha amiga arcou com o valor de um novo aparelho. O enfermeiro foi embora soltando fogo pela boca.

Continua após a publicidade

Eu me sinto invadido quando estou em algum lugar — um restaurante, por exemplo — e alguém começa a fazer stories. As pessoas perderam a noção. Não pedem mais licença. Já vão gravando, postando. Pior, angariando seguidores à custa da intimidade alheia. Outro dia um amigo veio me visitar. Como moro longe, ele ainda não conhecia minha casa. Entrou e disse entusiasmado: “Sua casa é muito instagramável”. Respondi que preferia não ser postado. Ele não se conformava. Gemia: “Mas aquela janela… ia ficar tão bem no meu Instagram!”.

Há quem não tenha a menor ideia do que é preservar a intimidade alheia. Querem transformar a vida em um contínuo reality show. Socorro, estou fora dessa.

Publicado em VEJA de 3 de agosto de 2022, edição nº 2800

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.