Oferta Relâmpago: 4 revistas pelo preço de uma!

“A força está dentro de cada um de nós”

O advogado Adriano Bisker, surdo oralizado, pai de cinco filhos, não se deixou vencer pelas limitações

Por Natalia Tiemi Hanada Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 8 mar 2025, 08h00

Eu nasci ouvinte, e com 7 meses de idade contraí meningite meningocócica. É considerado o tipo mais grave da doença, exige tratamento imediato. Porém, naquela época não tinha vacina, não havia informação. Era 1973, estávamos na ditadura, as notícias não circulavam como hoje e a divulgação do surto chegou até a ser censurada na imprensa. Meu pai diz que fiquei entre a vida e a morte. Sobrevivi, mas adquiri uma surdez bilateral profunda. Escuto uma voz grave, uma porta batendo, um cachorro latindo, ruídos mais graves eu consigo ouvir. Fora isso, sem aparelho, não escuto nada.

A meningite foi curada, mas não diagnosticaram a surdez. Tenho um irmão e uma irmã mais velhos, e por meio deles é que eu falava. Eles falavam tudo por mim. Meus pais, sempre atentos, então procuraram especialistas para saber o que estava ocorrendo comigo. Com 4 anos de idade, coloquei meu primeiro aparelho, mas apenas aos 6 comecei a ouvir alguma coisa. Minha fonoaudióloga diz que tiro água de pedra, porque, com um grau de perda tão severa, a adaptação seria difícil. Estou muito bem. Mas não é fácil, claro. Se estou numa reunião com dez pessoas, consigo ouvir apenas uma. Tenho dificuldade no teatro, no cinema dublado — por isso defendo legendas em animações de filmes nacionais, porque não entendo 90% dos diálogos.

A oralização, que é o processo de aprender a falar mesmo sem ter a referência da escuta, também foi de muito esforço, de trabalho contínuo. Não há outro caminho: a gente tem de buscar todas as alternativas para superar a deficiência. Sou muito feliz pelos meus pais terem me motivado para que eu buscasse a comunicação. Sempre li muito, adoro ler, inclusive foi o que me levou para a advocacia. Quando comecei a estagiar, ficava mais nos bastidores fazendo petição. Hoje, faço pouca audiência, porque pode acontecer de um juiz dizer algo e eu não ouvir. Por isso sempre tive um colega me acompanhando nessas situações. Eu busco alternativas de estar presente, mas não estar sozinho.

Tenho dois meninos do primeiro casamento, mas infelizmente não tenho convivência diária com eles. Eu e minha segunda esposa tivemos trigêmeas, e tive de mergulhar de cabeça na paternidade. A grande questão é: como o filho lida com o pai surdo? Daí criei um blog, Pai de Cinco, para contar ao mundo o que vivo em casa. Eu os ouvia todas as vezes? Não. Porque eu não fico com o aparelho 24 horas por dia. Tiro para tomar banho, para entrar na piscina e para dormir. Mas a criança se adapta, percebe que não foi compreendida e insiste. Em um primeiro momento é possível que se incomode, vai falar mais alto, vai chamar você várias vezes até conseguir uma resposta. Eles aprenderam a ter uma comunicação diferente comigo.

A gente lida com frustrações, é óbvio e esperado. Uma vez, meu filho ainda pequeno falou: “Pai, um dia vou ser surdo também?”. Eu respondi: “Não, filho, você não vai ser surdo, porque eu peguei uma doença que não é genética. Olha filho, seu pai está careca, provavelmente você vai ser careca, porque isso é genético, mas a surdez você não vai ter”. Acho ótimo que a criança pergunte, porque faz parte das preocupações infantis. Ela se adapta com o pai surdo, mas não tem como esconder o temor, o receio do futuro.

Continua após a publicidade

Não vou dizer que foi fácil e que esteja tudo resolvido. Não. Vou dizer que ser surdo é bom? Não. Nenhuma deficiência é boa, mas dentro da limitação você aprende a se superar. A força está dentro de cada um de nós. Cabe a cada pessoa buscar a melhor forma de aparecer para o mundo, de ter um diferencial para sua família ou para quem quer que seja, para que não nos escondamos dentro de nossas próprias dificuldades. Espero poder oferecer minha trajetória como exemplo para outros surdos oralizados.

Adriano Bisker em depoimento a Natalia Tiemi Hanada

Publicado em VEJA de 7 de março de 2025, edição nº 2934

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
a partir de 9,90/mês*
ECONOMIZE ATÉ 47% OFF

Revista em Casa + Digital Completo

Nas bancas, 1 revista custa R$ 29,90.
Aqui, você leva 4 revistas pelo preço de uma!
a partir de R$ 29,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a R$ 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.