Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

“A homofobia segue enraizada”

Henrique Nascimento, 29, conta sua dor ao ouvir que uma empresa não faria “convites homossexuais” para seu casamento

Por Paula Freitas Atualizado em 3 jun 2024, 16h49 - Publicado em 18 Maio 2024, 08h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Desde pequeno, tinha a sensação de ser diferente. Meus pais nunca tentaram mudar quem eu era — um menino que gostava de coisas de meninas, como ainda se fala por aí. Mas os olhares de julgamento sempre me cercaram. Tentei me esconder e cheguei a namorar uma garota. Apenas aos 20 anos, resolvi viver de forma livre e autêntica. Tive medo da reação das pessoas, claro. Foi para minha cunhada e uma prima que contei pela primeira vez a verdade com todas as letras: “Sou gay”. Elas me ajudaram a reunir coragem para ter a dura conversa com minha mãe, que reagiu bem. Começou a me fazer um monte de perguntas e, pouco a pouco, os outros ficaram sabendo. Num desdobramento natural, entenderam que meu colega de quarto não era só um amigo, mas meu namorado, com quem eu viria a casar em celebração simbólica a dois, cinco anos mais tarde. No início de 2024, decidimos, enfim, comemorar com amigos e familiares. Aí me vi face a face com o preconceito e a intolerância em seu estado mais bruto e perverso.

    Como produtor de eventos, logo comecei a me envolver com os preparativos da festa. Caí de cabeça na organização e passei a fazer contato com fornecedores os mais diversos em São Paulo, onde moramos. Para os convites, disparei mensagens para diferentes gráficas e, no dia seguinte, veio a resposta de uma delas. A atendente foi muito simpática, mas o tom mudou completamente quando descobriu se tratar de um casal gay. Mandei nossos nomes, e ela parou de responder. Devia estar ocupada, pensei. Horas mais tarde, o motivo do sumiço ficou bem claro. “Peço desculpas por isso, mas nós não fazemos convites homossexuais”, ela escreveu. E assim encerrou a conversa, me deixando chocado e sem chão. Só me restou chorar, e chorar muito.

    Expliquei a situação a meu marido, Wagner (Cardoso, no porta-retratos acima), que é chef e dono de um bufê. Concordamos em elaborar um texto em repúdio e enviar à mulher que nos havia maltratado. Dissemos ali que nenhuma empresa jamais poderia ter um comportamento discriminatório. Enfatizamos que a homofobia é crime e que levaríamos a questão à Justiça. Foi um susto quando vimos circular no Instagram deles, pouco depois, uma nota nos atacando diretamente. Diziam que acreditavam na “família como ela é” e citavam o versículo da Bíblia sobre como Deus criou um homem e uma mulher. Não satisfeitos, divulgaram meu número de celular. Mostrei a uma amiga, que tomou a iniciativa de postar o absurdo, e a história viralizou. Como a empresa virou alvo instantâneo de críticas, apagou o conteúdo, mas já havia prints da tela por todo lado.

    O Estado é laico e garante que os indivíduos sejam tratados em pé de igualdade, independentemente de raça, religião ou orientação sexual. Num cenário tão polarizado, era esperado que o pronunciamento da gráfica colhesse apoio de figuras como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-­MG), que disse aos donos da empresa para que permanecessem “firmes”. Com tantas mazelas no país, é revoltante que a atenção de alguns políticos esteja voltada para a homossexualidade alheia. Mesmo com os ataques que recebi, também senti na pele, em grau ainda maior, a solidariedade. Casais gays entraram em contato conosco e relataram histórias parecidas. Fornecedores de convites apareceram aos montes, querendo fazer o nosso. Advogados também se ofereceram para nos defender. Escolhemos uma equipe especializada em casos como este, entramos com ações judiciais nas três esferas — civil, criminal e admi­nis­tra­tiva — e registramos a ocorrência. Infelizmente, a homofobia segue enraizada no Brasil e isso me traz muita dor. Que histórias como a nossa, ao menos, ajudem a fazer pensar e a semear a tolerância.

    Henrique Nascimento em depoimento dado a Paula Freitas

    Publicado em VEJA de 17 de maio de 2024, edição nº 2893

    Publicidade
    Publicidade
    Imagem do bloco

    4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

    Vejinhas Conteúdo para assinantes

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.