A maioridade das patricinhas: por que elas estão mais vivas do que nunca
Depois de trinta anos de um filme tornado cult, elas continuam a influenciar a moda jovem, até mesmo das grandes grifes mundiais

Não foi lá um arrasa-quarteirão matador, mas fez muito sucesso. As Patricinhas de Beverly Hills, comédia de 1995, conseguiu em todo o mundo algo em torno de 56 milhões de dólares em bilheteria — pouco se comparado a dois campeões daquela temporada, Duro de Matar 3 — A Vingança (366 milhões de dólares) e Toy Story (395 milhões de dólares). A tolice engraçadinha do filme em torno de uma adolescente rica e mimada, a Cher Horowitz vivida por Alicia Silverstone, de raro título muitíssimo bem imaginado em português, não merecia mesmo muito mais audiência. Era um passatempo de Sessão da Tarde — levemente inspirado no livro Emma, de Jane Austen, clássico de 1815 —, quando ainda passávamos as tardes de folga diante da televisão, e não debruçados em smartphones. Contudo, em um desses movimentos inesperados em torno das produções de Hollywood, de onde se imaginava haver quase nada, a caminho do esquecimento, brotou um fenômeno cultural que não pode ser desdenhado: As Patricinhas, de especial cuidado com o figurino das personagens, passou a ser aplaudido, visto e revisto, por quem entende e consome moda. Descobriu-se haver no longa, portanto, uma refinada qualidade: a precisão ao representar o modo de se vestir da juventude dourada americana, e por influência de boa parte da sociedade ocidental, inclusive no Brasil. O que saía do armário era também manifesto de uma época.
Agora, trinta anos depois do lançamento da cultuada produção — pois é, fez-se cult —, ela volta a despontar com estardalhaço no canal de streaming Paramount+. No Brasil, como movimento de marketing, mas também de boa sacada comportamental, a marca Zinco lançou uma coleção de treze peças, especialmente o famoso terninho e minissaia xadrez amarelo-sol da grife Dolce & Gabbana, colada ao guarda-roupa casual chique de cores e estampas simétricas que brotou das telas. A Chanel celebrou as patricinhas em 2024. Dior, Versace e Coach fazem frequentes releituras do vistoso terninho. Alexander Wang, idem. No vídeo de Fancy, a cantora Iggy Azalea bolou um remake daquela onda.

Uma pergunta, portanto, não quer calar: aquele jeito de corpo, aquele jeito de se vestir, tão anos 1990, cola hoje? Talvez sim, porque, apesar de tanta mudança, continua a valer uma das frases mais celebradas da Cher de Alicia, dita com ironia e verdade, na defesa da elegância possível: “Não quero trair minha geração, mas não entendo a moda dos garotos de hoje. Parece que caíram da cama, puseram calças largas e cobriram o cabelo sujo com um boné ao contrário. E se julgam irresistíveis?”. Eis um bom alerta, e tê-lo como pano de fundo ajuda a entender a permanência do estilo de três décadas atrás — para os meninos, claro, mas sobretudo para as meninas. Há, enfim, espaço para as patricinhas?
A resposta: sim, há. Bebe-se do passado, em viagem nostálgica, no vaivém tradicional do universo do estilo, mas há uma outra razão para o respeito devotado àqueles modelos do tempo em que as redes sociais inexistiam: notava-se, em As Patricinhas, zelo pelo capricho dos cortes, em oposição ao vale-tudo que grassava de modo desmedido — “e se julgam irresistíveis?”. É cuidado ainda hoje inspirador, e por trás da aparente simplicidade havia habilidade, como a de arquitetos que planejam casas, e retrato muito bem construído de um tempo. Daí a permanência, entre as grifes mais badaladas do eixo Paris-Nova York-Milão, daquela coleção cinematográfica. Não se trata, como disse recentemente a própria estrela, Alicia Silverstone, apenas de “roupas divertidas e fofas”.

Estampava-se, sabemos hoje, muito mais. “O que marcou aquele figurino foi o styling bem resolvido, atalho para imagens de moda icônicas”, diz a consultora de moda Manu Carvalho. Não demorou para que as roupas chamativas, um grunge de luxo, digamos assim, se espalhassem pelos centros urbanos — de onde, aliás, a figurinista Mona May foi buscar ideias, dentro de brechós caindo aos pedaços, em interessante passo de ida e volta. “O xadrez era a roupa de colegial por excelência”, disse May, que tratou de provocar com pitadas punk, por meio do uso de alfinetes, e meias acima do joelho, numa referência aos tempos dos cabarés berlinenses dos anos 1920. “O filme era ultrafeminino, antídoto para a banalidade das cidades”, resumiu May. A aposta deu certo, e voou até chegar aos dias atuais. A beleza é perceber que uma coleção de ideias aparentemente temporais vingou sem fim, no corpo de mães e até de filhas. Salve as patricinhas, as de Beverly Hills e as do lado de cá.
Publicado em VEJA de 28 de março de 2025, edição nº 2937