A nova onda de roupas que deixam os corpos em evidência
Bem-vindo, o movimento é como um manifesto feminino em defesa da liberdade de comportamento
Nos séculos XVIII e XIX, nos palácios da França, brotaram os boudoirs, espaços íntimos com decorações renascentistas onde as mulheres da nobreza podiam se banhar e vestir, além de ter conversas privadas com seus amantes. Nos anos 1920, o termo passou também a ser atribuído a um gênero da fotografia, em ensaios de mulheres em ambientes intimistas. Em 2023, o boudoir dá nome a uma tendência de moda, definida pelo uso de roupas que deixem aparecer as peças de baixo, a intimidade do quarto exposta nas passarelas e nas ruas.
Os corpos em evidência, mal encobertos por lingeries, roubaram a cena nas festas depois do Oscar. O vestido branco ultrassexy da atriz Hunter Schafer deu o que falar. A combinação de camisola com botas pretas da atriz Julia Fox, exibidas em suas contas nas redes sociais, provocou imediata exclamação de surpresa e admiração. A cantora Dua Lipa, sempre atenta, entrou na onda. No Brasil, a atriz Bruna Marquezine explodiu em recortes em tons de bege, antes rechaçados por lembrarem as cores insossas do tempo das avós. A pergunta que não quer calar: por que agora?
Quando as roupas começaram a cair, há um ano, para deixar a pele à mostra, muito se falou sobre uma suposta liberdade pós-pandemia. A nudez nas passarelas seria, portanto, uma expressão do desejo reprimido de contato social. É mais provável, contudo, ter cunho “ideológico”, na definição de Valerie Steele, diretora do museu do Fashion Institute of Technology, de Nova York. É resultado, na moda, de mais de cinco anos de protesto do #MeToo, contra os abusos masculinos, da marcha a ré no direito ao aborto nos Estados Unidos e sobretudo do direito inegociável de as mulheres fazerem o que bem entenderem de seu corpo. Trata-se de um manifesto — e ele é muito bem-vindo. “O boudoir é sinônimo de respeito e confiança, sem perder a feminilidade”, diz Thiago Ferraz, stylist de atrizes como Camila Pitanga.
É, enfim, um grito de liberdade, o fio da meada da evolução dos humores da civilização. “O modo como as sociedades entendem o uso de lingerie traz informações sobre mudanças de moral, atitude, sexo, beleza e gênero”, diz a historiadora Eleri Lynn, autora do livro Underwear: Fashion in Detail. Durante séculos, o corpo da mulher foi secretamente reduzido, levantado, acolchoado, adornado, revelado ou oculto por roupas íntimas. Servia para isolar o corpo do frio, sim, mas logo se tornou sinônimo de “virtude”, conceito inaceitável aos olhos de hoje. Deu-se uma virada a partir dos anos 1950, com o advento do sutiã, e decidir ostentá-lo ou não virou símbolo de aversão ao machismo. Na década de 70, com o movimento punk, muitas passaram a usar lingerie por cima das roupas em voz de protesto — cujo apogeu midiático se deu com Madonna, sempre ela. Rihanna, ao lançar uma marca de peças de baixo há alguns anos, deu a deixa. “As mulheres deveriam usar lingerie para elas mesmas”, disse. É frase que ecoa uma máxima irônica e precisa de Coco Chanel: “A maioria das mulheres escolhe uma camisola com mais cuidado do que o marido”. Que assim seja.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834
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