Arte para vestir: por dentro da extraordinária exposição no Louvre, em Paris
Exibição comprova que modelos de renomados estilistas são também obras-primas da civilização

É comovente, em passeio banhado de silêncio devotado, a respiração presa pelo espanto a cada passo. A exposição Louvre Couture — Objets d’Arts, Objets de Mode, até 21 de julho, transforma os corredores e salas do museu parisiense em uma passarela de moda. Ao longo das alas Richelieu e Sully, 65 modelos de vestidos e trinta acessórios, desenhados por 45 maisons de costura, dos anos 1960 a 2025, postam-se com altivez entre obras-primas do Ocidente e Oriente. O pintor pós-impressionista Paul Cézanne (1839-1906) deu a deixa: “O Louvre é o livro no qual aprendemos a ler”. A atual mostra pela primeira vez associa o vestuário moderno, setor de permanente efervescência e inovação, ao que artistas fizeram no passado, em evidente casamento de ideias. Ali aprende-se a ver. Grandes nomes da arte moderna beberam das telas penduradas naquelas míticas paredes. Picasso, antes de quebrar suas figuras no Cubismo, não saía do palácio inaugurado em 1793. As versões pop da Mona Lisa de Andy Warhol chegam quase a rivalizar com a tela original de Leonardo da Vinci.

O Louvre, enfim, foi sempre fonte de inspiração — é fascinante perceber que também na moda sua influência é decisiva, ainda que o espetacular acervo não passe do século XIX, tendo como ponto de partida peças da antiga Mesopotâmia. A graça da aventura agora exposta, portanto: beber do passado para pavimentar o futuro. A travessia é uma aula. Um vestido azul e branco da Dior, desenhado em 2006, divide a sala com um retrato de Luís XIV, o Rei Sol. Um modelo Balenciaga azulão, de baile, manufaturado em 2020, decora um salão com mobiliário do século XVII. No meio da estrada, como fantasmas reais, despontam ideias de Alexander McQueen, de 2010, e da Bottega Veneta, de 2024. Um terno Chanel, imaginado por Karl Lagerfeld em 2019, tem um bordado que imita o padrão celeste e branco de uma cômoda do século XVIII que pertenceu à condessa de Mailly.
Para além do festival de beleza, da delicadeza costurada com a antiguidade, celebra-se o pioneirismo da exposição, porque o Louvre não tem nenhuma roupa em sua coleção, com exceção de dois mantos da Ordem de Cavalaria do Espírito Santo — criada em 1578 pelo rei Henrique III —, restaurados no ano passado. “O museu é muito mais do que apenas a Mona Lisa”, diz Olivier Gabet, diretor do Musée des Arts Décoratifs e curador da mostra. “É preciso sempre reinventá-lo.” Foi dele a ideia, depois de uma visita à casa de Yves Saint Laurent e Pierre Bergé, em 2008, antes da venda da imensa coleção de arte que inspirou o universo criativo do designer francês. Ao entrelaçar a alta-costura com os tesouros históricos, reconhecidos há muito, dá-se a revelação da moda como extensão do legado artístico da França, com uma clara mensagem: vestir as pessoas é, sem dúvida, uma arte da civilização.

Com a velocidade do mundo hoje, embebido de redes sociais, tudo anda rápido em demasia, e até totens sagrados da museologia sofrem. “É fundamental para o Louvre continuar a se abrir para as novas gerações”, diz Laurence des Cars, presidente do museu. Para não perder o bonde, e dar as mãos à juventude, que não para de postar imagens no Instagram e cia., haverá um jantar de gala, em 4 de março, aos moldes do que faz o Metropolitan, de Nova York, com o Met Gala. Haverá barulho, atalho para mostrar que as joias de tempos imemoriais ainda agora alimentam a arte produzida no século XXI, especialmente como segunda pele de estilistas geniais. O corte e costura é efêmero, em eterno vaivém. Mas acompanhá-lo ao lado de ícones artísticos é prova de que a criatividade não faz restrições ao tempo. De Christian Dior: “Os designers de moda são, de certa forma, os mestres dos sonhos”.
Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2025, edição nº 2933