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Barbara Gancia: ‘Não sabia que tinha uma doença’

A jornalista, de 67 anos, relata como superou o alcoolismo e redescobriu sua vida desde então

Por Luiz Paulo Souza Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 22 fev 2025, 08h00

Minha mãe conta que a primeira vez que bebi foi aos 3 anos de idade, o que depois se repetiu aos 6 e aos 9. Quando trago esse assunto no meu livro A Saideira (cuja nova edição, revista e ampliada, acaba de ser lançada pela Editora Matrix), crio muito alvoroço, porque as pessoas pensam que comecei a beber na infância. Não é bem assim: gosto de citar essa história porque, no alcoolismo, a genética é bastante significativa. Os aspectos social e ambiental têm, sim, relevância, mas é essa herança que define se você vai gostar ou não de beber e a sua tolerância aos goles. É claro que cada caso é um caso, mas, com frequência, a gente começa a beber porque sente que aquilo é gostoso.

Veja, eu estudei em uma escola inglesa e lá a cultura era beber… Se você não bebia, ficava de fora. Eu era ansiosa, tímida, mas lembro que, quando tomei meus primeiros drinques, logo virei a dona da festa. Para mim, foi uma questão de reafirmação. Era mais prazeroso sair para dançar, ouvir música, fazer sexo… A bebida tirava as barreiras.

O momento em que você percebe que tem um problema é difícil, e a gente sempre tenta negociar. Você fala: “Vou parar de beber cachaça, vou chegar na festa mais tarde, vou tomar doses a menos”. Mas não consegue. O álcool nos derrota todas as vezes. Constatar isso machuca. Até que em um momento notei também que eu era realmente uma bebedora problemática. Criava encrenca, dava piti, ficava escandalosa e violenta. A culpa que carreguei era muito grande. Fiz minha família sofrer demais. Me envolvi em um acidente de automóvel e perdi a visão de um olho. Não tem como reparar a dor que tudo isso causou aos meus pais. Eles acordavam de madrugada e, quando viam que eu não estava em casa, pediam para um irmão ir até o Hospital das Clínicas e outro ao IML me procurar.

No fundo, esse é um negócio que até hoje é difícil de superar. Não por acaso, o primeiro dos doze passos dos Alcoóli­cos Anônimos é reconhecer que somos impotentes perante o álcool. Outro é fazer um inventário e pedir desculpas. Quando eu completei o questionário e me disseram que tinha um problema, foi um alívio. Queria parar, mas não sabia que tinha uma doença. Só achava que era uma mau-caráter sem força de vontade que não conseguia cumprir com as próprias palavras. Recaía, e essa se tornava uma viagem solitária. E seus amigos… Bem, eles acham que você não passa de uma idiota.

Decidir parar também não é fácil. Me internei contra a vontade da minha família. Eles diziam que aquele era um lugar cheio de malucos e que eu não era alcoólatra. Quando cheguei lá dentro, um cara me disse que eu teria que mudar de amigos, lugares e hábitos. Eu rebati: “Ah, só isso?”. Imaginei que fosse impossível, mas as coisas vão mudando aos poucos e naturalmente. Você não vai mais ao boteco, para de acordar às 4 da tarde e aprende a botar algo no lugar da bebida: às vezes é uma caminhada, às vezes, um passeio com o cachorro.

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Quando parei de beber, já não sabia mais quem eu era. Afinal, tinha bebido toda a minha vida adulta. Conheci uma mulher, com quem fiquei por anos, e, para me relacionar com ela, tive que me redescobrir completamente. Me transformei numa pessoa mais séria e menos insegura. O que me espanta é que o Brasil é um dos países que mais têm problemas com o álcool e ninguém fala disso. São doze óbitos por hora ligados à bebida. A gente precisa entender que isso tem a ver com política e reconhecer que há muito lobby envolvido. E é essencial trabalhar a prevenção. Eu escrevi o livro (A Saideira), porque era isso que eu gostaria de ter lido aos 25 anos. Quem enfrenta o alcoolismo necessita de um lugar onde possa encontrar respostas.

Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2025, edição nº 2932

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