Bem resolvida, geração 50+ abraça a liberdade dos relacionamentos
Hoje esse público se sente seguro para escolher se quer viver casado, namorando e ficar mais em paz com a sexualidade
Se fossem reescritos hoje por amantes mais maduros, os versos do soneto Amor É Fogo que Arde sem Se Ver, do português Luís de Camões (1524-1580) — “é querer estar preso por vontade / é servir a quem vence, o vencedor / é ter com quem nos mata, lealdade” —, talvez não brincassem tanto com as contradições. Abordariam, em vez disso, a certeza de quão leve e livre o sentimento pode ser. Em uma guinada em relação aos cinquentões de antigamente, a atual geração com mais de 50 surfa a onda de liberdade de relacionamentos que inunda a sociedade. Se antes convenções sociais determinavam como deveriam agir homens e mulheres que se viam sozinhos na meia-idade, hoje esse público se sente seguro para escolher se quer viver casado, namorando e ficar mais em paz com a sexualidade. Como diz outro poeta, Cazuza (1958-1990), o que eles querem é “a sorte de um amor tranquilo”.
Como em geral ocorre com as transformações comportamentais, a nova atmosfera começa a ser captada pela indústria cultural. Não é coincidência que dois sucessos atuais no cinema e no streaming tenham como tema o amor aos 50. Nas telonas, Julia Roberts e George Clooney, ela com 54 e ele, 61, encarnam em Ingresso para o Paraíso um par divorciado que se reaproxima durante um movimento para impedir que a filha se case. Os dois voltam a experimentar momentos de sintonia, mas dessa vez com suavidade, risos e de forma descompromissada. O filme estreou pouco depois do lançamento, em julho, da série Uncoupled, da Netflix. A trama é baseada na história de Michael Lawson, interpretado por Neil Patrick Harris, um homossexual de meia-idade que se separa após anos casado. Sua luta é se readaptar à vida de solteiro em um mundo repleto de novos vocábulos e expressões, como gênero fluido, relacionamento líquido e transgêneros, além da onipresença do universo digital. Aberto às mudanças, ele se entrega às delícias — e dores — de navegar neste planeta em ebulição.
A conquista do status de ser dono do próprio nariz na maturidade, também na seara dos desejos, paixões e amores, não foi fácil, especialmente para as mulheres. O encerramento de um casamento depois dos 50 costumava representar o fim da linha em relacionamentos. Até porque, além das próprias amarras, muitas enfrentavam a resistência dos filhos a novos companheiros e mais ainda a novas orientações sexuais. Hoje, contudo, quem se encontra nessa idade, em geral, é pai ou mãe de jovens com seus 20, 25 anos, justamente a geração que está promovendo a maior quebra de paradigmas dos últimos tempos, calcada no mantra de que cada um deve ser e viver como bem entender. Veja-se o exemplo da atriz Claudia Raia. Em 2010, ela se separou do ator Edson Celulari após dezessete anos de casamento, um ano depois achou-se feliz ao lado do ator Jarbas Homem de Mello, e agora, aos 55 anos, está grávida. As mudanças tiveram o apoio dos filhos do primeiro casamento, Enzo, 25 anos, e Sophia, 19.
A evolução beneficiou também a vida da população LGBTQIA+ e dos homens cinquentões. Para o primeiro grupo, ficou um pouco menos difícil identificar-se com esse ou aquele gênero ou orientação sexual. Há uma ou duas gerações seria complicado imaginar um caso como o do ator Reynaldo Gianecchini, 49 anos, que há três assumiu se sentir atraído por indivíduos de todos os gêneros e orientações sexuais. Da mesma forma, certamente o casal Emmanuel e Brigitte Macron seria ainda mais alvo de críticas décadas atrás. O atual presidente da França tinha 18 anos quando se apaixonou pela professora Brigitte, então com 43. Hoje, ela está com 69 anos e ele, 44. Macron fugiu ao comportamento masculino usual ao se envolver com uma mulher mais velha, em atitude que produziu desconforto em forma de preconceito. Homens, sim, continuam a procurar parceiras mais jovens, porém uma modificação em curso desafia a tradição. “Eles começaram a ver a mulher madura com admiração”, diz a antropóloga e escritora Mirian Goldenberg.
Um reflexo desse comportamento pode ser visto em alguns sinais. Prestes a completar dez anos, a respeitada plataforma digital Coroa Metade, de nome criativo, tem como público pessoas com mais de 40 anos. No início, a maioria dos usuários era do sexo feminino. A situação mudou depois do isolamento imposto pela pandemia de Covid-19. Agora, o número de novos inscritos do sexo masculino (52%) superou o público feminino (48%). Estatística do site aponta ainda que nem homens nem mulheres estão mais interessados em casamento. Desejam namorar (veja o quadro) ou ser amigos, mostrando que a maioria cansou do compromisso. “Quem está com mais de 50 quer usufruir a companhia, sair, transar”, diz o psicólogo Ailton Amélio. Conta também nessas escolhas o pragmatismo na forma de enxergar as relações. “Cada um pretende desenvolver seu potencial, o que bate de frente com as expectativas do amor romântico, que prega o oposto à individualidade”, explica a psicanalista Regina Navarro Lins.
Morar em casas separadas faz parte desse movimento, como apontou pesquisa da Universidade de Bradford, no Reino Unido, relatando que ao menos 10% de casais europeus, americanos, canadenses, australianos e neozelandeses tinham endereços distintos e os mais maduros estavam entre os que fazem isso por opção. Há espaço para o bom e velho casamento? Claro. No Coroa Metade, 7% delas e 8% deles desejam se casar, como fizeram Débora Guedes, 52 anos, e José Mendes, 57, em setembro deste ano. “Vivi um sonho que nunca tinha experimentado”, diz Débora, que estava divorciada quando entrou na plataforma. Airton Gontow, diretor do Coroa Metade, tem um diagnóstico preciso do que acontece com o amor aos 50 atualmente. “Ninguém sabe o que quer, mas uma das vantagens de ser maduro é saber o que não quer”, diz. E, felizmente, ter o direito de viver segundo suas escolhas.
Publicado em VEJA de 19 de outubro de 2022, edição nº 2811