Carta ao Leitor: Ponto de equilíbrio
Não se deve atirar a onda woke ao lixo, porque sua origem é positiva. O caminho é o bom senso

Em agosto de 2014, logo depois do assassinato de um jovem negro de 18 anos, Michael Brown, desarmado e sem registro em delegacias, por um policial branco, houve protestos na cidade de St. Louis, no estado americano do Missouri, rapidamente espalhados pelos Estados Unidos. Em maio de 2020, outro episódio de igual abuso, o estrangulamento de George Floyd, em Minneapolis, reacendeu com tintas nunca antes vistas o grito do movimento Black Lives Matter. Os dois lamentáveis eventos são considerados marcos da explosão da chamada onda woke — expressão derivada do verbo to wake, acordar, em inglês. Era o despertar de um anseio legítimo e necessário, sinônimo de democracia e humanidade, a permanente luta pelo direito à diversidade e a opiniões, independentemente do grupo social, das escolhas sexuais, da postura política.
Contudo, como é comum na história da civilização, e porque o outro lado, o dos ultraconservadores, nunca deixou de provocar espanto, houve algum exagero. E o que era a defesa da tolerância e do amor por vezes virou o avesso, entre a intolerância e o ódio. Causas justíssimas — porque todos os grupos deveriam ter a liberdade de se manifestar — caíram no radicalismo, e o tom woke virou o politicamente correto levado a um extremo que não raro se converte em intransigência. Tomem-se como exemplo as invasões de universidades americanas, em abril, por cidadãos que defendiam a Palestina contra a agressividade de Israel, sem as nuances que assunto de tal complexidade requer para o bom debate. O correto, insista-se, é haver amplo e igual espaço para ideias opostas, sem violência.

Era esperado que a eleição de Donald Trump e de outros grupos da direita populista, em todo o mundo, alimentasse algum tipo de reação, ancorada numa suposta tradição religiosa e comportamental — e é o que vem ocorrendo, como mostra minuciosa reportagem da edição. O woke deu um passo atrás. Não se deve, porém, atirá-lo ao lixo, porque sua origem é positiva. O caminho é o bom senso, o ponto de equilíbrio que assegure as vitórias já conquistadas e elimine, de uma vez por todas, os preconceitos de quem não tolera o outro.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922