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Casamento de pernas para o ar: uniões sem papel já são a maioria nos lares brasileiros

Mudança que faz parte de uma sacudida bem mais ampla que já dá novas feições à vida a dois

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Paula Freitas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 nov 2025, 12h37 - Publicado em 21 nov 2025, 06h00

Poucos contratos sociais tentaram permanecer impermeáveis aos ventos da modernidade como o casamento. Ao longo das décadas, contudo, uma soma de profundas transformações no modo como a humanidade caminha fez as correntes mudarem as direções — e, hoje, a união conjugal ganhou novas formas, em um dos mais revolucionários fenômenos no campo do comportamento neste agitado século XXI. A arquitetura dos relacionamentos passou a ser redesenhada a partir de movimentos que abalaram pilares — entre eles, a disseminação da pílula anticoncepcional e a entrada com tudo das mulheres no mundo do trabalho, o que conferiu a elas liberdade de escolha sobre ter filhos e autonomia financeira. Como um passo quase natural, aquele velho roteiro do qual apenas uma minoria se desviava — namorar, noivar, subir ao altar e formar família numerosa — começou a ceder espaço a um conceito mais arejado de vida a dois, no qual cabem múltiplos arranjos e leveza. Nem mesmo a ideia do acordo formal, com direito a igreja e papel passado, sobreviveu ao tempo.

arte casamento

A recente sacudida nessa instituição tão bem consolidada, que nasceu na Antiguidade movida por interesses diversos, é universal, sobretudo na banda ocidental do planeta. No Brasil, novos dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ajudam a mapear ineditismos que dão contornos aos matrimônios contemporâneos — a começar justamente pela oficialização dele. Pela primeira vez desde que a aferição foi estabelecida, em 1872, a fatia das uniões informais ultrapassou a daquelas seladas no civil e no religioso (38,9% e 37,9%, respectivamente) — um avanço expressivo em relação a apenas duas décadas atrás, época em que a turma dos “sem papel” não representava mais do que 28,6% (veja o quadro). Outro número que enfatiza a virada da qual tanto se fala é a proporção de casais com filhos, um grupo que míngua a cada medição. Nunca antes eles haviam representado menos da metade dos lares brasileiros (são agora 42%), um sacolejo com desdobramentos na dinâmica familiar e na demografia. “Há uma transição de valores em curso que impacta em cheio o olhar sobre o casamento. Atualmente, as prioridades de vida são outras”, diz a demógrafa Iracy Pimenta.

+ Carta ao Leitor: Ao longo de sua história, VEJA acompanha de perto as revoluções dos lares brasileiros

Apesar da reviravolta, casar não saiu de moda, tampouco deixou de compor o tecido social — o rito só não é mais tão calcado em convenções e feito para caber em um único figurino. Longe disso. Um vasto estudo conduzido pela Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, pondera que os casados ainda são vistos em seu meio como “mais maduros, estáveis e responsáveis”. O que substancialmente mudou, ressaltam os pesquisadores, foi a maneira de vivenciar a parceria. Ela viceja agora sobre um solo diferente, onde sai de cena aquele romantismo sintetizado na imagem das caras-metades que se completam, uma metáfora medieval, para ceder espaço a uma visão mais realista e até prática da parceria. “As relações contemporâneas são claramente permeadas por mais racionalidade”, afirma a socióloga Clara Maria Araújo, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

TEVE ENSAIO - Depois de três anos dividindo o mesmo teto e as contas, a psicóloga Juliana Fernandes, 33 anos, e o professor de inglês Iuri Ramos, 35, resolveram promover o que chamavam de namoro a casamento, com direito a festa para os amigos, porém sem papel. “A convivência deu certo e achamos que era hora de marcar uma nova fase”, explica ela, que, como o marido, não quer ter filhos, daí o par de gatos que faz companhia ao casal. “Acho que seríamos ótimos pais, mas sei que teríamos que abrir mão da individualidade que tanto valorizamos”, diz Juliana
TEVE ENSAIO – Depois de três anos dividindo o mesmo teto e as contas, a psicóloga Juliana Fernandes, 33 anos, e o professor de inglês Iuri Ramos, 35, resolveram promover o que chamavam de namoro a casamento, com direito a festa para os amigos, porém sem papel. “A convivência deu certo e achamos que era hora de marcar uma nova fase”, explica ela, que, como o marido, não quer ter filhos, daí o par de gatos que faz companhia ao casal. “Acho que seríamos ótimos pais, mas sei que teríamos que abrir mão da individualidade que tanto valorizamos”, diz Juliana (./Arquivo pessoal)
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Não há aí nenhum demérito. Ao contrário: segundo especialistas, quanto menos doses de idealização, maiores as chances de a união prosperar. O primeiro impulso para os historiadores Simone Lopa, 53 anos, e Agnaldo Cabral, 51, morarem juntos veio de questões essencialmente mundanas: namorados, eles cursavam a mesma faculdade e acharam confortável juntar as escovas e rachar as despesas. Dividindo o teto há duas décadas, nunca cogitaram registrar o novo status em cartório — atitude que, à época, não era lá tão comum. “Não muda nada para nós”, diz Simone. Sem ter tido filhos, eles se orgulham do núcleo familiar composto por uma herdeira de relacionamento anterior dela e dois dele, configuração cada vez mais corriqueira.

Se não muito tempo atrás a decisão de um lar sem crianças fazia torcer os narizes mais tradicionais, hoje o peso em demasia que recaía sobre os casais sem filhos suavizou, mais um fruto de sociedades já não tão afeitas assim ao script convencional e que conseguem avançar. Nesse giro vem embutido um novo olhar sobre o próprio conceito do que é família, que tanto extrapolou o bem emoldurado porta-retratos de pai, mãe e dois filhos (essa era a média até o fim do século XX). Verdade que a opção não é sempre trivial, sobretudo para as mulheres, as mais cobradas. Para os engenheiros Kayro Aguilar, 34 anos, e Stephany Gesser, 35, foram anos de reflexão até baterem o martelo: vão levar a vida a dois sem bebês. “Uma criança é uma responsabilidade enorme, não cabe em nossa rotina”, diz ele. “Sinto que não falta nada: somos uma família completa assim”, arremata ela.

ESCOLHA RACIONAL - A motivação inicial para os engenheiros Stephany Gesser, 35 anos, e Kayro Aguilar, 34, morarem juntos, em 2017, uniu amor e finanças. “Ele tinha sido demitido e meu emprego não era tão bom. Não valia a pena morar separados”, diz ela, para quem os laços se fortaleceram depois da decisão
ESCOLHA RACIONAL – A motivação inicial para os engenheiros Stephany Gesser, 35 anos, e Kayro Aguilar, 34, morarem juntos, em 2017, uniu amor e finanças. “Ele tinha sido demitido e meu emprego não era tão bom. Não valia a pena morar separados”, diz ela, para quem os laços se fortaleceram depois da decisão (./Arquivo pessoal)
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Essa é certamente uma era de códigos mais complexos e menos previsíveis, em que é preciso ser introduzido a um novo dicionário dos relacionamentos. Para uma ala mais jovem, a experiência de repartir uma casa é como uma espécie de ensaio para algo que, a depender do andamento, se converterá em casamento mais tarde. Apenas após se fincarem com clareza os alicerces da convivência, um passa a chamar o outro de marido ou mulher, companheiro ou companheira — um degrau acima de namorado ou namorada, mesmo tantas vezes sem registro em cartório. “Antigamente, o morar junto era considerado pecado, mas hoje é um sinal de ganho de autonomia”, avalia Marta Souza, da Sociedade Brasileira de Psicologia. Integrante da multidão dos “sem papel”, o professor de inglês Iuri Ramos, 35 anos, e a psicóloga Juliana Fernandes, 33, resolveram dar uma festa celebrando a união informal de três anos. “É o nosso casamento, mas não vimos necessidade de fazer votos religiosos”, esclarece Juliana.

RITO EM BAIXA - Cartório: os ventos da modernidade vêm fazendo do papel passado uma prática em desuso
RITO EM BAIXA - Cartório: os ventos da modernidade vêm fazendo do papel passado uma prática em desuso (Rubens Cavallari/Folhapress/.)

Outro ingrediente dos matrimônios modernos é a liberdade para desfazer o compromisso, desgarrando de vez do conceito da união sem volta, sacramentada para todo o sempre, ainda que envolta em insatisfação. O “até que a morte nos separe”, que pode ocorrer, por que não?, mas não com todo mundo, foi sendo gradualmente substituído pela ideia de durar enquanto bom estiver. É nesse caldeirão que o estigma do divórcio vem se dissolvendo, aliviando a culpa dos que se separam e tornando os casamentos — não importa em que moldes — mais baseados em uma escolha genuína. “No passado, quem ousava se separar quebrava uma tradição e ficava malvisto na sociedade. Já hoje, se não der certo, a pessoa pode ir morar sozinha ou retornar à casa dos pais, tudo com maior leveza”, observa o antropólogo Bernardo Conde, da PUC-Rio. Para a ala feminina, essa virou uma possibilidade concreta após conquistar terreno no mercado de trabalho, seguida de liberdade financeira — 49% delas, inclusive, já ganham mais que os maridos, o dobro em relação ao início do século, conforme o mesmo Censo. Sim, a longeva instituição está de pernas para o ar. E todos ganham com isso.

Publicado em VEJA de 21 de novembro de 2025, edição nº 2971

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