A última vez que uma roleta física funcionou legalmente no Brasil foi em 1946, no luxuoso cassino do Copacabana Palace, no Rio. Três meses depois de assumir a Presidência da República, o general Eurico Gaspar Dutra decretou o fim dos jogos de azar no país por meio de um decreto-lei, sob o argumento de que a prática atentava contra a moral e os bons costumes. Desde então, a clandestinidade sustentou a tradição de bingos e do jogo do bicho, enquanto cidades como Las Vegas, nos EUA, e Punta del Este, no Uruguai, entraram na rota turística obrigatória dos fãs de máquinas caça-níquel, roletas e blackjack. E o que fizeram os brasileiros? Atualmente, acessam mais de 3 000 cassinos autorizados a operar no universo virtual. Na maioria dos casos, é verdade, esses sites cumprem seu propósito, o de entreter. Mas cuidado: para além dos riscos óbvios relacionados ao vício da jogatina, abriu-se um novo terreno fértil para golpistas.
Os cassinos on-line não infringem o septuagenário decreto de Dutra por um motivo: os sites são hospedados em países onde o jogo é legalizado. É, portanto, como se os usuários brasileiros estivessem apostando em Malta, no Reino Unido ou no Caribe. A lei os obriga a pagar impostos de premiação no Brasil — o que em boa parte dos casos não ocorre. O cardápio de jogos recria a sensação de adrenalina que uma aposta em salão pode proporcionar, mas com riscos maiores.
Os problemas pululam. O estudante Matheus Rodrigues, 26 anos, tinha o hábito de se divertir em casas de apostas esportivas grandes, sem nenhum tipo de incômodo. Em abril de 2021, porém, se aventurou em um site menor, o StreamBet, sediado em Londres e de donos ucranianos, que oferecia um bônus de 150% a seus seguidores. O jovem paranaense apostou 5 000 reais e logo recebeu um prêmio de 60 000 reais na roleta. Está há mais de um ano tentando realizar ao menos o saque mínimo mensal, de 15 000 reais. Ao acionar o atendimento do site, a cuja troca de e-mails VEJA teve acesso, recebeu respostas evasivas, pedindo paciência pois “o problema seria solucionado”. “Já disseram até que não recebi, pois infringi as regras, mas sem me explicar quais”, diz Rodrigues. A reportagem tentou contato com o StreamBet, mas também recebeu pedidos para aguardar retorno oficial, em mensagens programadas e traduzidas por um robô.
As reclamações costumam entrar numa estrada sem muita saída. “Como são sites hospedados no exterior, a Justiça brasileira não tem nada a fazer e os casos tendem a cair em um limbo”, diz Eduardo Diamante Teixeira, especialista em sites de jogos da Carlezzo Advogados. Canais de apoio ao consumidor como o Reclame Aqui relatam outro nó: a venda de cursos, as chamadas “mentorias”, que resultariam em retorno espetacular do investimento. “Desconfie de qualquer promessa de ganho garantido, isso não existe em jogo de azar”, diz Luiz Felipe Maia, sócio da MyLaw Advogados, especialista em regulação de cassinos pela Universidade de Las Vegas.
Os sites confiáveis apresentam selos de verificação de seus governos, sistemas de compliance e políticas rígidas de comprovação de identidade. Em qualquer país, menores de 18 anos são proibidos de apostar, mas é preciso ter cuidado. “Com tantos aplicativos, sites e mídias sociais disponíveis, as linhas entre o que é um game comum e um jogo de azar ficaram cada vez mais borradas”, diz Shelley White, CEO da organização britânica Responsible Gambling Council. “É fundamental que os pais monitorem a presença on-line de seus filhos.” O site Blaze, um dos mais procurados, se aproveita dessa confusão com games tradicionais e, atrelado a um cardápio supervasto de jogos com ótimos gráficos, atrai uma legião de jovens usuários — e também de denúncias de difícil ou impossível resolução.
Por trás do limbo, tramita no Senado um projeto de lei para regulamentar os jogos de azar, que, segundo seus defensores, renderia mais de 15 bilhões de reais em impostos e reduziria as fraudes. A resistência da bancada evangélica trava sua aprovação. De qualquer forma, seja no mundo real, seja no virtual, é preciso seguir uma premissa: jogue por diversão e jamais aposte o que não pode perder.
Publicado em VEJA de 15 de junho de 2022, edição nº 2793