Chance para a relação fechada: nova pesquisa mostra fôlego da vida a dois
Depois de agitar bandeira em prol do sexo livre, uma conquista feminina, a maioria das mulheres — e também dos homens — embarcou numa nova etapa

Uma nova página da história da sociedade foi sendo escrita ao longo das últimas décadas, embalada pela marcha das mulheres em prol da liberdade a partir dos agitados anos de 1960. E assim, gradativamente, o engessado roteiro segundo o qual o destino inexorável dos indivíduos era manter namoro longo, noivar e trocar alianças cedeu lugar a arranjos diversos, nem sempre fincados na monogamia. Significou uma conquista e tanto, sobretudo para as mulheres, que romperam tabus e ganharam controle sobre seus corpos e escolhas, quebrando barreiras que limitavam o livre exercício de sua sexualidade. Consolidado o avanço, o mundo seguiu girando, e eis que, por pura opção e não mais pela pressão social, elas, e também eles, estão embarcando numa nova etapa: a maioria diz se sentir mais plena em relações estáveis, levando a vida a dois, do que na existência sem amarras da solteirice.
A sociologia já vem observando o movimento há algum tempo, mas pela primeira vez uma pesquisa de envergadura internacional deu a dimensão do fenômeno. Segundo o Instituto Ipsos, que ouviu milhares de homens e mulheres de todas as gerações em trinta países, o Brasil incluído, a turma que afirma estar namorando ou casada relata maior satisfação amorosa e sexual (82%) do que a população em geral (59%) — uma diferença expressiva (veja no quadro). Entre os brasileiros, a distância é ainda maior: 81% são os comprometidos felizes com seus enlaces, ante 50% dos solteiros. Ainda que haja solavancos em qualquer parceria, eles embutem características que, segundo a pesquisa, contribuem para a satisfação quando bem estimulados. “A maturidade do relacionamento, o conhecimento do outro, tudo isso ajuda a tornar a comunicação mais fácil e a união mais prazerosa, o que se reflete no sexo”, diz Rafael Lindemeyer, diretor da Ipsos no Brasil.
Questionamentos sobre o que parece ser o ápice da liberdade sexual — conhecer alguém na balada, passar a noite junto e se despedir no dia seguinte sem nenhum plano adicional — começam a deixar o terreno cheio de julgamentos de uma ala mais conservadora e também da banda religiosa para adentrar o universo dos próprios jovens, como fruto de reflexão interna. Longe das bandeiras, sob a moldura da vida real, a bióloga Laura Sol, 24 anos, se testou no campo da casualidade, mas chegou a uma conclusão sobre si mesma que, na perspectiva das lentes ideológicas de outros tempos, poderia ser vista como retrocesso em meio à árdua trajetória das lutas femininas. “Não me sinto confortável em ter uma relação, um ato de intimidade com uma pessoa e, daqui a pouco, ela sumir sem me dar uma segurança”, diz Laura, que sabe haver um preço em sua forma de ver. “Esse meu posicionamento dificulta, porque vários homens não querem nem se aproximar”, lamenta.

Especialistas enfatizam que nessa visão favorável aos relacionamentos fixos reside também uma expressão de poder das mulheres. “Existe hoje a cultura de falar ‘não’. Elas se sentem cada vez mais à vontade para decidir se e quando querem dividir o corpo com o outro”, afirma o sexólogo Rodrigo Torres. Há mais um relevante ingrediente que pesa a favor da estabilidade, especialmente para a ala feminina. Uma vasta pesquisa da Universidade de Nova York (NYU) aponta que, para elas, o sexo casual tende a ser menos prazeroso do que para eles. O amplo levantamento, feito ao longo de cinco anos, constatou que 42% das mulheres tinham chegado ao clímax em sua última relação sem compromisso, quase a metade do percentual dos homens. “Eles se preocupam mais com o prazer delas quando estão em um relacionamento, e elas, por sua vez, não se sentem tão à vontade nesses contextos casuais para dizer o que querem e do que precisam”, diz a socióloga Paula England, da NYU.

Entre os homens, à medida que o tradicional ideal de masculinidade, em que a quantidade de parceiras é um valor, vai sendo arejado pelos ventos da modernidade, o jeito de encarar os laços afetivos também se modifica. “Conforme fui amadurecendo, percebi que é mais legal encontrar uma pessoa e construir uma conexão do que sair ficando com gente que você talvez nem vá encontrar de novo”, afirma o empresário João Cibelli, 24 anos. Numa era de frivolidade muito incentivada pelas redes, os estudiosos percebem uma busca por significado nos vários escaninhos da vida. “Há um movimento de tentar restabelecer laços sociais mais densos e, portanto, criar relações com maior comprometimento e responsabilidade afetiva”, reforça a psicanalista Joana Novaes, da PUC do Rio de Janeiro. Ela chama a atenção para o fato de, não raro, o sexo casual ampliar a sensação de solidão que tanto aflige homens e mulheres. “É uma satisfação imediata, mas que pode promover, na sequência, um sentimento de vazio e desamparo em parte das pessoas”, pondera.

A nova pesquisa do Instituto Ipsos ressalta que a satisfação romântica e sexual está intrinsecamente ligada à qualidade dos relacionamentos — ou seja, não vale apenas estar namorando ou casado, mas, sim, manter uma união envolta em confiança, intimidade e muita conversa. Tem sido dessa maneira com a professora de ioga Fernanda Ribeiro, 43, que há um ano mora com o namorado Davidson Diniz, 45, e se declara mais satisfeita — e livre — agora do que nos tempos de solteirice. “Para mim, sair sempre com uma pessoa diferente arrisca virar uma prisão”, diz ela, dando feições à interessante onda comportamental. Em um terreno que de matemático não tem nada, não há fórmula única, e as certezas podem ruir com a velocidade com que foram construídas. Mas os que se aventuram pelas alegrias e asperezas da vida a dois entendem bem o que já disse o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Há sempre alguma loucura no amor, mas há sempre um pouco de razão na loucura”. Para muitos, a maior e mais satisfatória aventura é a de viver essa loucura dentro de um pacto a dois.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2025, edição nº 2935