Em 22 de abril de 1957, o Rio de Janeiro chorava: Zaquia Jorge morria, aos 33 anos, em razão de um afogamento, na inóspita praia da Barra da Tijuca. Hoje, é bem possível que o nome, tão singular quanto a personagem, desperte pouca familiaridade entre os apreciadores do teatro, mas naquele fim de abril Zaquia ocupou as manchetes dos principais jornais do Brasil. Mais de 4 mil pessoas compareceram ao seu velório e até mesmo Juscelino Kubitschek, então presidente da República, se fez representar por meio de seu ajudante de ordens. A tragédia despertou rumores ofensivos na imprensa marrom e, num encontro de acasos, precedeu a festa, marcada para o dia seguinte, e celebraria os primeiros cinco anos do Teatro de Madureira, cuja fundação fez de Zaquia uma das figuras mais emblemáticas da vida cultural da cidade.
Entre os anos 1940 e 1950, Zaquia era uma estrela em ascensão — embora isso pareça muito distante do que significa ser uma celebridade nos dias atuais. Ingressou no Teatro de Revista, gênero popular na então capital federal, e assumiu diversas funções no competitivo mundo das vedetes, até que se tornou uma. Contracenou com grandes nomes como Dercy Gonçalves e Oscarito e, muitas vezes, saiu dos palcos para as telas, explorando o cinema, novo reduto entre as antigas artes. Por fim, fundou seu próprio teatro, mas não nas ruas badaladas do centro ou da crescente zona sul, Zaquia escolheu o subúrbio, algo inédito na época. Nascida em 6 de janeiro de 1924, a atriz ganhou finalmente sua primeira biografia, um feliz presente no ano de seu centenário.
O desafio de contar a história esquecida ficou a cargo de Marcelo Moutinho, vencedor do prêmio Jabuti em 2022 com o livro de crônicas “A lua na caixa d’água”, que agora lança “Estrela de Madureira: a trajetória de Zaquia Jorge, por quem toda a cidade chorou” (Record, R$ 84,90).
“Escrever esse livro foi como escavar no meio do nada”, diz. Isso porque quase nada sobrou da artista. Antes da biografia, as referências se limitavam ao samba “Madureira Chorou”, sucesso no carnaval de 1958, e “Estrela de madureira”, eternizado na voz de Roberto Ribeiro. Os sambas prolongaram sua memória e fizeram dela uma espécie de mito no bairro do subúrbio carioca, mas para além disso, pouco ficou. Seu teatro, na rua Carolina Machado, hoje é uma loja de brinquedos e não há estátuas ou placas que lhe prestem algum tributo.
A solução foi vasculhar os arquivos públicos, uma missão que levou cinco anos, atrapalhada pela pandemia. O livro não destaca apenas seu lado artístico, mas também sua atuação empreendedora em uma área carente de aparelhos culturais. “Ela tinha consciência política do que estava fazendo. Aquela era o único teatro em uma área periférica em todo o Brasil”, afirma o biógrafo.
Apesar disso, a chegada de Zaquia em Madureira foi recebida com desconfiança. Uma atriz divorciada que usava calças não era necessariamente bem vista no Brasil da metade do século passado. Carismática, Zaquia tratou de virar o jogo. Ela convencia os locais a atuarem em suas peças, dava descontos no comércio e criou uma rede de apoiadores em torno do empreendimento. Esquecida pela cidade, a memória de seus feitos continua a vagar entre os antigos de Madureira. “Eu não sei dizer porque uma mulher como ela acabou apagada da história do Rio de Janeiro, mas a minha tentativa com o livro é brecar esse processo”, resume Moutinho.