Estampa que representa tradição e elegância, o xadrez é tendência na moda
O ar desafiador, sem perder a classe, é, de fato, histórico
No tabuleiro do vestuário, não tem adversário à altura: quem domina o jogo é o xadrez. Poucas padronagens evocam tão perfeitamente a célebre frase da francesa Coco Chanel (1883-1971): “A moda passa, o estilo permanece”. Marcada pela clássica composição de quadrados, em linhas e cores diversos, a estampa funciona em qualquer estação — apesar da forte associação com o inverno — e, agora, fazendo jus ao seu legado histórico, domina os lançamentos da temporada. Em um universo marcado pela diversidade das criações, o xadrez se impôs como elemento principal de uma coleção inteira, como mostrou a estilista italiana Maria Grazia Chiuri no desfile Cruise 2025 da Dior.
A ambientação seguiu à risca a proposta para o figurino. Realizada nos jardins do castelo Drummond, em Perthshire, na Escócia, a apresentação de meia-estação e pegada medieval trouxe peças focadas na geometria mundialmente ligada ao berço dos kilts. Aliás, foi a partir da Revolução Industrial, no século XIX, que o país resgatou a produção massiva dos tecidos com o estilo, vencendo uma proibição que a vizinha Inglaterra havia lançado para apagar a cultura escocesa. Sim, o xadrez é símbolo de resistência e transgressão — como comprova a antiga luta por independência da pátria de William Wallace (1270-1305).
Da matriz escocesa, e rediviva na coleção da Dior, destaca-se a estampa conhecida como tartan, caracterizada por quadrados formados por linhas horizontais e verticais que, apesar das origens ancestrais, se popularizou no século XVI como diferencial entre os clãs escoceses e ganhou força na moda no século XX, nas mãos de grifes e estilistas britânicos como Alexander McQueen, Vivienne Westwood e Burberry. Outra padronagem em alta é o argyle, com losangos que sobrepõem linhas diagonais. Associada aos suéteres tradicionais, a estampa voltou à cena com a tendência “grandpacore”, ou roupas do vovô, que só no TikTok alcançou mais de 20 milhões de visualizações. “O xadrez se tornou uma linguagem visual”, afirma o estilista Dudu Bertholini. Linguagem que ganhou as telas.
No influente desfile da Dior, nota-se ainda uma ode ao punk dos anos 1980. O movimento utilizava o xadrez quadriculado em seu uniforme de subversão, elemento que depois seria aproveitado e adaptado pelos grunges, que, na década de 1990, apostariam nas camisas xadrez oversized dos membros de bandas como Nirvana e Pearl Jam. “O que faz o xadrez sempre voltar à tona é essa mistura de tradição e transgressão”, diz Bertholini.
O ar desafiador, sem perder a classe, é, de fato, histórico. Ao abdicar do trono britânico em 1936, o rei Edward VIII (1894-1972) ganhou as primeiras páginas dos jornais vestindo um elegante traje xadrez que até hoje é chamado de Príncipe de Gales — veste de um homem apaixonado, disposto a desistir da coroa para abraçar a amada plebeia. Na década de 1960, por sua vez, a estampa rasgou os ares aristocráticos e começou a ser usada por mulheres, impulsionada pela modelo Twiggy. Uma década depois, o quadriculado preto e branco viria a estampar protestos contra a segregação racial.
A padronagem também se diversificou para dançar conforme a música. Uma versão mais leve e romântica, o Vichy, ganhou espaço com seus quadradinhos minúsculos, lembrando toalha de piquenique, na pegada imortalizada pelo vestido azul de Judy Garland (1922-1969) em O Mágico de Oz e pelo modelito de casamento cor-de-rosa de Brigitte Bardot de 1959. No século XXI, quando a moda vira um grande liquidificador de referências, misturando as eras e as escolas, o xadrez surge mais forte do que nunca com seu poder de despertar mensagens e memórias afetivas.
Está nas passarelas, mas também nos shows e nas redes sociais. Basta ver Madonna de saia quadriculada em sua turnê atual ou Beyoncé botando para quebrar em seu momento country. Nada de festa junina. O estilo é fino e atemporal, como provam Isabeli Santana e Camila Queiroz em suas últimas postagens. No último ciclo de moda de Paris, só deu xadrez… Chanel, Balenciaga, Chloé, Schiaparelli e companhia aderiram à bandeira. No Brasil, ele imperou na safra de Alexandre Herchcovitch. Das coleções às ruas, as buscas pela estampa no Pinterest decolaram 770% em um ano. Realmente, é a bola da vez. Ou melhor, o quadrado da vez.
Publicado em VEJA de 30 de agosto de 2024, edição nº 2908