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“Eu não era um suicida, eu estava suicida”, diz cineasta e roteirista

Bruno H. Castro escreveu o roteiro de "A Metade de Nós", filme em que matou seu personagem central para evitar o próprio suicídio

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 11 nov 2024, 16h54

Nasci em Barbosa, no interior de São Paulo, uma cidade pequena na beira do Rio Tietê, de 6 mil habitantes. Passei toda a minha infância e adolescência lá até chegar à faculdade, onde cursei o primeiro ano de comunicação em Maringá, no Paraná, e em seguida, jornalismo na Casper líbero, na capital paulistana. Em todo esse período, porém, sempre lidei com questões de saúde mental.

Na infância, sofria com ansiedade e compulsão alimentar. Morava com a minha avó já que meu pai era ausente e minha mãe se mudou para os Estados Unidos. Fiz acompanhamento com psicólogos, mas não para tratar a causa e sim porque era gordo, cheguei a pesar 188 kg. De qualquer forma, não se falava sobre o assunto saúde mental. A questão era diminuir a minha ansiedade para eu emagrecer, o que acabou em uma cirurgia bariátrica, quando perdi 100kg, graças a minha tia Silvia, de quem eu era mais próximo, mesmo ela morando no exterior, e que pagou para mim.

No último período da faculdade, as coisas melhoraram porque ao fazer um documentário sobre o Teatro Oficina, que estava comemorando 50 anos, e a questão do terreno do Grupo Silvio Santos para meu trabalho de conclusão de curso, percebi que meu negócio era cinema. Acabei me aproximando do Zé Celso, que me chamou para trabalhar lá. Eu filmava as peças e bastidores, fiz “Bandidos”, em 2008 e “Bacantes”, em 2009.

No ano seguinte, o Thiago Minamisawa, meu parceiro profissional me apresentou à diretora Rosana Urbes, que tinha uma ótima história para filmar. Escrevi meu primeiro roteiro, de “Guida”, sobre uma senhora, que prestes a se aposentar, resolveu ser modelo vivo e posar para artistas no Centro Cultural, que inscrevemos em um edital e ganhamos.

Logo depois, conheci o Flávio Botelho, que me chamou para escrever um projeto de documentário, que venceu um edital do Ministério da Cultura. Nesse meio tempo, porém, eu enfrentava uma série de problemas emocionais. Fui diagnosticado com depressão, estava envolvido com drogas e álcool. Minha avó também morreu de depressão, algo muito traumático para mim. As brigas por herança e meu primeiro relacionamento gay que não acabou bem aumentaram ainda mais meu desespero. E na pandemia, me descontrolei: além de voltar a engordar 30kg, mergulhado profundamente nesse abismo.

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Tentei o suicídio. A primeira vez, subi no topo de um prédio e fiquei lá, olhando para baixo. O que me segurou foi pensar no que isso causaria às outras pessoas. Mas não parei. Tive outras tentativas frustradas até perceber que não conseguiria cometer suicídio de forma consciente. Assim, comecei a jogar mais pesado nas drogas, bebidas e remédios, na esperança de morrer de overdose, mas também não consegui. Racionalizando esse processo, entendi que eu não era um suicida, eu estava suicida.

A superação

Isso aconteceu quando surgiu o projeto do filme “A Metade de Nós” (roteirizado por Bruno, que chegou a entrar na lista dos considerados para representar o Brasil no Oscar 2025). Foi muito importante para eu conseguir sair dessa. O Flávio quis fazer esse filme porque tem uma irmã que morreu por suicídio. E a história é sobre um casal que perdeu o filho dessa forma. Foi quando eu pensei: “Eu cometo esse suicídio na tela, pelo personagem, e resolvo essa narrativa da minha vida”. E assim aconteceu. Para mim ficou muito claro.

O processo também ajudou muito. Para escrever o roteiro, tive que falar sobre suicídio, estudar sobre isso, conversar com mães e pais que perderam filhos, filhos que perderam pais, familiares com casos na família. Dei o nome da minha mãe, Francisca, para a personagem central, que perdeu o filho, tamanha a conexão forte que criei com o roteiro. A minha arte me curou e me salvou.

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Quando vi o filme pronto, na tela, em que matei meu personagem, senti que fechei um ciclo da minha vida: os ímpetos suicidas. Meu sentimento era: “sim, eu consegui passar por isso”. Desenvolvi outras perspectivas.

A volta por cima

É claro que eu continuo fazendo acompanhamento, mas parei de tomar remédios. Só tomo um de canabidiol, para ansiedade. Tenho uma rede de apoio e falo muito com as pessoas, algo que era difícil. Passei um período nos Estados Unidos com minha mãe e minha tia Silvia – foi a primeira vez que acionei minha família e entendi que tenho duas mães.

Não tenho mais quadros depressivos, mas continuo escrevendo sobre todos esses processos. Também descobri que não sou dependente químico e, portanto, posso deixar tudo sobre controle. Até porque não gosto de drogas, e álcool, já consigo escolher as situações em que vou beber.

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Hoje estou bem. E como a arte sempre me dá respostas certeiras, já estou em processo de outro filme, “Tubaroa”, uma animação dublada pela Marisa Orth, sobre drogas – outra vivência que tive, que quase me matou e agora vou falar sobre.

Quero que as pessoas falem, conversem, pronunciem o nome “cocaína”. A gente amadurece, evolui e essas coisas passam, mas precisam ser enfrentadas para que se modifiquem. Foi o estímulo criativo para a minha transformação e espero que ajude outras pessoas.

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