O que distingue a era moderna, esta na qual vivemos, das anteriores? Seria o fato de trabalharmos em escritórios e não mais no calor de indústrias imensas, a ferro e fogo — embora a pandemia tenha virado esse conceito de cabeça para baixo, nos empurrando para dentro de casa? Seria, quem sabe, o permanente ceticismo em torno de tudo e de todos — agora alimentado pela avalanche de mentiras promovidas nas redes sociais? O escritor e jornalista inglês Adrian Wooldridge defendeu uma tese curiosa, em artigo publicado na revista 1843: o que nos faz diferentes é o sumiço dos chapéus, bonés e boinas. Eles eram onipresentes até a primeira metade do século XX, como tradução da sociedade. Os reis usavam coroas. Os bispos ostentavam mitras. Os ricaços adoravam um Borsalino. Os operários se diferenciavam pela cabeça coberta com modelos de pano leve.
O declínio começou depois da II Guerra — os soldados vindos do front já não queriam mais estar debaixo de capacetes. E então, nos Estados Unidos do início dos anos 1960, o presidente John Kennedy tomou posse sem cartola, e dali para a frente deixou de ser compulsório levar algo acima dos cabelos ou da calvície. Como exceção, e que bela exceção, sempre houve os exemplares da alta-costura, nas passarelas e revistas de moda.
Eis que, atravessada a dureza do confinamento da pandemia — sempre ela —, tempo de recolhimento doméstico e de conforto dos pés à cabeça, deu-se o renascimento dos bonés e das boinas. O motivo? Porque são mais simples de usar, mais baratos (nem todos, ressalve-se), mais à mão. Atrelados a famosos que os ostentam nas postagens pelo Instagram e similares, brotou o fenômeno. Lá no futuro, quando olharmos para os dias de hoje, é possível que essa marca do vestuário nos distinga. As grandes grifes, é claro, não bobearam. A francesa Patou levou bonés para a semana de moda de Paris, no início de julho. Louis Vuitton e Dior também aderiram à tendência. A Prada — que cobra o equivalente a 5 000 reais por um item — virou febre impulsionada por celebridades como a cantora Dua Lipa, a modelo Hailey Bieber e a atriz Marina Ruy Barbosa. A cantora Taylor Swift é outra que ajudou na maré, ao aparecer com um adorno emprestado do estilo do gênio Leonardo da Vinci.
Há um multiplicador na disseminação do estilo: como bonés e boinas dão ar de alguma simplicidade, ainda que muitas vezes falsa, não demorou para que se espalhassem, muitas vezes com os símbolos de marcas esportivas. É sempre bom lembrar, contudo, que nos anos 1990 eles já tinham reaparecido colados à elegância discreta de Jennifer Aniston e Winona Ryder. Mas, como tudo sempre volta, ei-los aí outra vez, com adorável pegada nostálgica (leia na coluna de Lucilia Diniz). “Ao associarem praticidade com conforto, além de personalidade, é natural que agradem”, diz a chapeleira Cássia Cipriano. É o caso, portanto, de tirar o chapéu para os bonés e as boinas.
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799