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Freud é pop: cresce o apelo do pai da psicanálise nas jovens gerações

Fenômeno ganhou empurrão na pandemia, quando metade dos adolescentes brasileiros manifestou necessidade de ajuda para manter a saúde mental em dia

Por Duda Monteiro de Barros Atualizado em 4 jun 2024, 10h41 - Publicado em 12 Maio 2023, 06h00

Em Viena, na Áustria, Sigmund Freud (1856-1939) fincou os pilares da psicanálise que, em seu tempo, foram fervorosamente combatidos por dar à sexualidade humana lugar central na formação e na ação dos indivíduos. Pois a mesma cidade que o repeliu e de onde ele, judeu, fugiria em 1938 para escapar da ameaça nazista hoje o enaltece como um fenômeno pop, registrando multidões em frente à casa da Rua Berggasse, onde ficava sua clínica e atualmente funciona um museu que vende pilhas de camisetas exibindo seu semblante. A capital austríaca é, com o perdão do chavão, apenas a ponta do iceberg de um movimento bem mais vasto e global, em que Freud emerge no caldo de cultura moderno como tema de best-sellers, filmes e séries. Tantas décadas depois de sua morte, suas teorias seguem gerando interesse, agora com renovada potência entre as jovens gerações, que cada vez mais buscam consultórios que abraçam o pensamento e as técnicas do pai da psicanálise.

Tamanho movimento chegou ao Brasil. O aumento na procura ganhou um decisivo empurrão na pandemia, quando metade dos adolescentes brasileiros manifestou a necessidade de ajuda para manter a saúde mental em dia, segundo um levantamento da Unicef — mais do que se assistiu em qualquer faixa etária. Ao se debruçar sobre qual trilha seguir, não faltavam vertentes de terapia à disposição, como a cognitivo-comportamental, a behaviorista e a gestalt-terapia, todas em alta da década de 1980 para cá e, em linguagem leiga, mais focadas no aqui e agora do que na viagem ao passado promovida pelo processo freudiano. Eis que a turma entre 20 e 30 anos acabou por enveredar pelo caminho do divã (o de Freud, aliás, está bem guardado em sua última residência, no bairro londrino de Hampstead). “A reclusão dos tempos pandêmicos trouxe aos jovens a busca pelo autoconhecimento”, diz o psicanalista Geovan Farias, da Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa (SBPI). “E eles estão menos interessados no lado prático que tantas terapias proporcionam e mais preocupados com as profundezas de suas dores.”

Um bom termômetro para aferir a atual admiração da juventude por Freud mundo afora são as onipresentes redes sociais, onde conteúdos relacionados à psicanálise contabilizam quase 1 bilhão de visualizações e hashtags e suscitam animados debates em que termos do dicionário freudiano, como inconsciente, ID, ego e superego são despejados sem cerimônia. Um aspecto que atrai os jovens reside em um princípio psicanalítico — observar as pessoas e as circunstâncias em que vivem e que sobre elas têm impacto. “Nos dias de hoje, as consequências da socialização, tão caras à psicanálise, acabam por trazer à baila conversas sobre machismo, orientação sexual, racismo e tantos outros temas que tocam as novas gerações”, afirma a socióloga Raquel Weiss, da Universidade de Oxford. “A análise me fez desenvolver uma visão mais abrangente sobre mim, uma mulher inserida num mundo em que esta condição nem sempre é respeitada”, conta a estudante de odontologia Carolina Camp­bell, 20 anos, que na infância fez terapia cognitivo-comportamental para lidar com episódios de bullying.

MERGULHO FUNDO - A estudante de odontologia Carolina Campbell, 20 anos, perdeu o pai e estava sufocada pelas angústias do Enem. “A análise me ajudou a ter uma visão mais ampla das situações”, diz
MERGULHO FUNDO – A estudante de odontologia Carolina Campbell, 20 anos, perdeu o pai e estava sufocada pelas angústias do Enem. “A análise me ajudou a ter uma visão mais ampla das situações”, diz (./Arquivo pessoal)

Assuntos que ainda esbarram na muralha dos tabus, como sexualidade e conflitos familiares, ganham na arena da psicanálise um território livre, que encanta a turma mais jovem, à vontade para se expressar. O próprio Freud era um libertário ao tratar de questões impronunciáveis no tempo em que viveu, como a homossexualidade, à qual se referia com uma naturalidade que contrastava com a ideia de uma aberração, um mal a ser curado. Em 1935, escrevendo a uma mãe americana que se lamentava por ter um filho gay, foi enfático: “Não se deve ter vergonha, não é um vício nem um aviltamento, nem tampouco se pode qualificar de doença. (…) A investigação psicanalítica opõe-se com extrema determinação à tentativa de separar os homossexuais de outros seres humanos, como um grupo particularizado”, pontificou. Tão avançado era o seu horizonte que apenas quatro décadas mais tarde, em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria finalmente eliminou a homossexualidade da lista dos transtornos mentais.

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Uma característica de uma ala predominante das gerações conhecidas por letras do alfabeto (Y, Z) é cavucar fundo nas raízes do que as afeta. Assim, muitos deságuam em consultórios onde ecoa o pensamento freudiano. A estudante Isadora Neves, 18 anos, recorreu à análise para lidar com um transtorno de ansiedade, mas queria mais. “Não buscava apenas ferramentas para saber controlar os momentos de crise, mas também entender a origem dos meus medos e o elo com o passado”, relata ela, que diz ter tido um “choque de realidade”. Isadora e outros às vezes encontram um ambiente bem distinto do da clínica vienense da Rua Berggasse, já que nem sempre o divã é usado e a consulta pode até ser on-line (o que será que o pai da psicanálise diria disso?). Mas as pausas e silêncios, que despertam o apreço de jovens analisados pouco afeitos à pressa, continuam lá, do mesmo modo que as sólidas pilastras freudianas seguem firmes, fortes e ajudando a quem a elas recorre.

Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841

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