Harry Styles teve uma noite consagradora no Brit Awards, o equivalente britânico do Grammy, no último sábado, 11: o cantor abocanhou quatro prêmios, incluindo o de artista do ano. Para além da música, porém, ele chamou a atenção pelo visual exuberante: no tapete vermelho, o pop star exibiu-se com um modelito de veludo preto que conjugava calça boca-de-sino, blazer de cintura esvoaçante em estilo peplum e uma flor de pano gigante na lapela. Como de praxe, Styles buscava confundir sinais de gênero — não dava para saber se estava de terno, como um menino, ou de vestido, fazendo-se de menina. É o tipo de lance de efeito em que o artista se tornou mestre, e no qual vem contando com a ajuda de um expert: o estilista americano Harris Reed, referência inescapável quando o assunto é a chamada moda fluida, ou não binária.
A moda e seu papel social: Classe, Gênero e Identidade das Roupas
Aos 26 anos, Reed defende um estilo capaz de expressar as sexualidades individuais livremente. Ele próprio, aliás, é uma figura de fluidez notável, com suas longas madeixas ruivas, chapelões e roupas que abusam dos cortes sinuosos, transparências e elementos retrô. “Harris é emblemático da moda agênero, que une uma miscelânea de décadas e estéticas”, analisa o stylist brasileiro Dudu Bertholini. De fato, as influências do designer são amplas: ele vai da era vitoriana aos anos 1970 e 1980, explorando dos tecidos leves, como a seda, até os mais pesados — e dá-lhe paetês.
O trabalho de Reed ganhou projeção graças à parceria com Styles. Quando ainda era um desconhecido universitário, o estilista foi descoberto nas redes pelo mentor visual do cantor e criou seu primeiro modelo sem saber quem era o famoso cliente. Foi aprovado: é dele o extravagante figurino usado pelo astro pop em sua primeira turnê solo, em 2017. As peças que misturavam mangas bufantes, babados e calças no estilo flare lhe abriram portas. Reed descolou um estágio na grife italiana Gucci, criou uma marca com seu nome e se tornou, em 2022, diretor criativo da pop e jovial Nina Ricci. Hoje, inventa moda para celebridades que vão da cantora Solange Knowles, irmã de Beyoncé, ao rapper Lil Nas X. Até Rihanna tirou casquinha, com uma das botas ultraplataforma que são marca registrada de Reed.
Curiosamente, o que ele faz não é exatamente novidade na história do vestuário e dos costumes. Já se cultivava a fluidez, afinal, nos modelitos, perucas e maquiagens da corte francesa do século XVIII. Mais recentemente, nos anos 1960 e 1970, a androginia marcou a imagem dos hippies e celebrizou roqueiros como David Bowie. “O homem sempre se enfeitou mais que a mulher”, resume João Braga, professor de história da moda na Faap. A vestimenta masculina só assumiu uma forma mais austera depois da Revolução Industrial. Na contramão, impelidas pelo mercado de trabalho, as mulheres assimilaram o guarda-roupa masculino.
Harry Styles: And the Clothes He Wears
No caso de Reed, a novidade está em conferir expressão visual a um fenômeno comportamental contemporâneo: a busca pela afirmação de uma sexualidade neutra por pessoas que não se identificam com um padrão de gênero em particular. A síntese disso é uma peça confeccionada para — de novo — Harry Styles a pedido de Anna Wintour, a editora todo-poderosa da Vogue americana, quando o cantor se tornou o primeiro homem a estampar a capa da revista feminina, em 2020. O look exclusivo fazia uma sobreposição de um vestido feito de tule e cetim cor-de-rosa a um terno preto. O ensaio causou controvérsias. A comentarista americana (e trumpista) Candace Owens explodiu no Twitter contra a “feminização dos homens”: “Tragam de volta o homem viril”, escreveu a conservadora. Indignado, o estilista questionou a razão de tanta revolta diante de um rapaz de vestido. Como se diria na igualmente divisiva linguagem neutra: a moda hoje é para todes.
Publicado em VEJA de 22 de fevereiro de 2023, edição nº 2829
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