Icônica joia Trinity, da Cartier, sobreviveu ao tempo e ganha nova versão
A ideia é atrair os jovens. Há muito de marketing, sim, mas há também o interessante movimento natural do que vira cult, por merecimento
O francês Jean Cocteau (1889-1963), artista de infinitas atividades e criatividade transbordante — poeta, cineasta, dramaturgo, pintor etc. e tudo o mais que fosse possível — foi sempre personagem inspirador para quem o cercava. Com o devido perdão pela comparação, seria hoje como um influencer de redes sociais, afeito a mover mundos e fundos. Para onde apontava seus dedos, lá vinha uma nova onda artística e comportamental. De seus dedos, aliás, brotou uma das peças mais celebradas e perenes da joalheria, o anel Trinity, da Cartier, agora aos 100 anos de idade. Cocteau — um dos pais do surrealismo, mais para sonhos do que para o real — usava o modelo de modo inusitado, no dedo mindinho da mão esquerda.
Ele ostentava, a rigor, duas unidades do Trinity. Adorava mexer para cima e para baixo as três argolinhas que o compõem — de ouro amarelo, branco e rosa, entrelaçados. Era um gesto que o definia, e não foram poucas as vezes em que posou para fotografias exibindo com exuberância as joias. Para um de seus companheiros sentimentais, o ator Jean Marais, parceiro no filme O Pecado Original, de 1948, ele deu de presente um Trinity colado a uma dedicatória perfeita em sua simplicidade: “A primeira faixa é para você, a segunda é para mim, e a terceira é o nosso amor”. A novidade, agora, como desenlace do poder infindável do objeto: ele caiu no gosto da chamada geração Z, formada por jovens de até 25 anos.
O que os atrai é a própria história do anel e o modo como ele pode ser costurado com os humores atuais. Os três elementos diferentes passaram a ser vistos como a materialização de um conceito muito em voga: a diversidade. Seria, portanto, uma bijuteria sem gênero, símbolo do amor em todas as suas formas — familiar, de amizade, conjugal, para quem quer declarar uma paixão, qualquer uma. Na origem, apogeu do movimento art déco, o designer Louis Cartier, neto do fundador da maison, pensou no número 3, considerado desde a Antiguidade clássica como a formação matemática perfeita, sinônimo de equilíbrio. Foi também aceno para uma referência mais prosaica: Louis tinha dois irmãos, Pierre e Jacques, e, naquele tempo, três lojas distribuídas em Paris, Londres e Nova York. Não demorou para que brotasse uma outra explicação: na doutrina cristã, o nome dado à peça é usado para se referir ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo como três manifestações de um só Deus. Para muitos, remete ao passado, presente e futuro, ou ainda ao infinito. “Além de ser atemporal, o Trinity é simples e confortável, pode ser usado de dia, à noite e até para dormir, sem que notemos estar lá”, diz Bianca Zaramella, professora de joalheria do Istituto Europeo di Design (IED). E, sublinhe-se, apesar de ter sido desenhado em 1924, é moderno, ergonômico e ainda agora de cara inovadora.
Tantos atributos o fizeram se espalhar com estardalhaço. Depois de Cocteau, andou pelas mãos de estrelas populares e chiques do cinema como Romy Schneider, Cary Grant, Alain Delon, Grace Kelly e Nicole Kidman. Chegou na realeza, é óbvio, com destaque para Kate Middleton. E pousou, enfim, nas articulações de ídolos infantojuvenis como a empresária Kylie Jenner, o ator Timothée Chalamet e, no Brasil, a atriz e apresentadora Maisa Silva, que não perde uma chance de fazer selfies no espelho, de modo que o Trinity apareça na mão que segura o smartphone. Não basta usá-lo. É preciso exibi-lo, como se fosse o manifesto — caro, para lá de 10 000 reais — de uma geração.
O Trinity, dada sua longa vida, é peça relevante para os negócios e sobretudo para a imagem da Cartier, fundada em 1847 (valor de mercado estimado em 66,7 bilhões de reais), quase sempre associada muito mais à sisudez do que à juventude. O sopro juvenil, reafirme-se, é sempre bom. “Essa nova geração está conectada a tudo. Eles têm acesso a tanta informação e a tantas imagens… estão tão bem informados sobre o luxo, que os seus olhos olham tudo de uma forma diferente. São mais exigentes e conseguem identificar rapidamente o que querem ou ao que aspiram”, disse ao jornal El País Marie-Laure Cérède, diretora criativa de relógios e joias da grife. Tudo indica, portanto, que a carreira do Trinity prossegue, em forma de símbolo — associado também a braceletes e colares com a tríade amarelo, branco e rosa. Há muito de marketing, sim, mas há também o interessante movimento natural do que vira cult, por merecimento. Direto ao ponto: vão-se os dedos, ficam os anéis.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2024, edição nº 2879