Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Menos bebidas alcoólicas e baladas: a ideia de diversão da geração Z

Ao contrário dos jovens notívagos de outras eras, eles deixaram de ser, pela primeira vez, a fatia da população que mais consome álcool — aqui e no mundo

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 5 jul 2024, 12h11 - Publicado em 5 jul 2024, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Nos anos 1960, embalada pelo tripé sexo, drogas e rock’n’roll, a juventude mundo afora saía às ruas para agitar bandeiras em prol dos direitos civis, se insurgia contra a Guerra do Vietnã e abraçava os ideais do movimento hippie numa vida em que quebrar regras constituía um valor em si. Nessa equação, cabia trocar a noite pelo dia e regar as madrugadas a álcool. O mundo caminhou, mas sempre foram eles, os jovens, os maiores consumidores de bebidas alcoólicas dentre todas as faixas etárias. Não mais. Segundo um recente relatório que examinou a questão no Brasil, conduzido pela consultoria MindMiners, 55% dos representantes da onipresente geração Z, aquela da turma nascida entre 1995 e 2010, não tocam em copos de cerveja nem taças de vinho. Os maiores consumidores agora estão concentrados perto dos 50 anos. É a primeira vez que os jovens perdem a dianteira nesse medidor, o que dá conta de uma mudança mais abrangente de hábitos, que os distancia de seus antecessores.

    geração Z

    Com mais acesso à informação, o que lhe traz uma noção de risco, e cultivando a ideia do bem-estar em sentido amplo, a ala Z dá ao conceito de diversão novas feições. E as noites de bebedeira, definitivamente, não se encaixam nesse estilo que enaltece o dia, o exercício e põe a saúde em primeiro lugar. “No passado nem tão distante assim, o álcool era o objeto central da socialização, e quem o recusava era excluído. Agora, está claramente crescendo o grupo que resiste a essa pressão social”, observa a socióloga Mariana Thibes, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool.

    Os desdobramentos se fazem sentir em vários escaninhos da sociedade, como, por exemplo, na vida noturna, que vem registrando recuo. Um levantamento do Datafolha mostra que brasileiros entre 15 e 29 anos frequentam no máximo uma vez por ano boates e afins. Metrópoles como Nova York, Berlim, Sydney e Londres testemunham declínio semelhante, com essas casas fechando as portas mais cedo ou mesmo deixando de funcionar. No Reino Unido, 75% dos chamados “locais de festa” sumiram da paisagem nas últimas duas décadas, e a balada before midnight, que termina antes da meia-noite, anda em alta.

    CORRER PARA VIVER - A estudante de medicina Manuela Cit, 20 anos, trocou a agitação noturna pelo exercício antes do nascer do sol, muitas vezes com os amigos. Álcool não é com ela. “Às vezes, emendamos com um bom café da manhã”, conta
    CORRER PARA VIVER – A estudante de medicina Manuela Cit, 20 anos, trocou a agitação noturna pelo exercício antes do nascer do sol, muitas vezes com os amigos. Álcool não é com ela. “Às vezes, emendamos com um bom café da manhã”, conta (//Arquivo pessoal)
    Continua após a publicidade

    No lugar da badalação, o que entra em cena para o pessoal de 20 e poucos anos são programas matinais e vespertinos jamais imaginados pelos jovens notívagos de outras eras. Cafés da manhã na rua, prática de exercício ao nascer do sol e sessões de cinema estão no cardápio dessa geração diurna. Às vezes, é a própria experiência que os leva a trilhar essa rotina, como ocorreu com a estudante de medicina Manuela Cit, 20 anos, que, na adolescência, começou a beber de quinta a domingo. Mas, como integrante da geração Z que é, concluiu que não gostava dos sintomas da ressaca. Eles freavam sua energia. “Eu só queria saber de curtição e até vício por cigarro eletrônico desenvolvi. Aí parei completamente com tudo e estou feliz assim”, conta ela, que, também em decisão típica entre seus pares, passou a compartilhar nas redes sua transformação e já contabiliza 1,6 milhão de seguidores. “Meus amigos preferem se encontrar para tomar café a sair para beber à noite”, arremata.

    As novas demandas dessa crescente turma estão fazendo o mercado se mexer, o que impulsiona um nicho de produtos com zero álcool. É o caso das bebidas intituladas adaptogênicas, produzidas à base de plantas que simulam o sabor e o efeito do álcool (com menos intensidade). Esses drinques de mentirinha fazem uso de compostos como guaraná e até de cogumelos para ativar os mesmos neurotransmissores que as versões originais. A expectativa é de que essa prateleira salte em faturamento, alcançando a casa dos 20 bilhões de dólares na próxima década, cifra puxada pelo consumo sobretudo entre ingleses e americanos. Faz todo o sentido que a indústria, atenta aos números, abra novas frentes. Na França, os especialistas atribuem a queda na venda de vinhos, a bebida nacional, a dois fatores: mais gente opta por cerveja, e os jovens estão cada vez mais desinteressados das taças — em vinte anos, o contingente dos que nunca provaram um tinto ou um branco subiu de 4% para 20%. Nos Estados Unidos, eram 20% os que não ingeriam álcool em 2020, hoje são 28%.

    UMA GALERA DIFERENTE - Festival de Woodstock: quebrar as regras era um valor em si nos rebeldes anos 1960
    UMA GALERA DIFERENTE - Festival de Woodstock: quebrar as regras era um valor em si nos rebeldes anos 1960 (Archive Photos/Getty Images)
    Continua após a publicidade

    Não é apenas a saúde física que move a geração Z rumo a uma existência com pouco ou nenhum álcool — a saúde mental, que está na ordem do dia para eles, é outro importante componente nessa escolha. Muitos dizem que as bebedeiras acabam interferindo no equilíbrio que tanto buscam, algo que a ciência corrobora, ao estudar dosagens frequentes e elevadas. “O cérebro está em desenvolvimento até os 25 anos, mais ou menos. Nessa fase, a exposição ao álcool traz mais risco de desencadear ansiedade, desregulação emocional e vício”, explica o psiquiatra da infância e adolescência Guilherme Polanczyk, professor da Faculdade de Medicina da USP. Pesando prós e contras, o fisioterapeuta Luigi Sanci, 25 anos, que nunca foi muito fã de bebida, prefere ficar longe do copo. “Não gosto da ideia de perder o controle, passar mal, essas coisas”, diz.

    AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE - Os efeitos da bebida alcoólica nunca atraíram muito o fisioterapeuta Luigi Sanci, 25 anos, que raramente chega perto de um copo. “Não quero ficar enjoado e ter a sensação da ressaca e da perda de controle”, explica
    AFASTA DE MIM ESSE CÁLICE – Os efeitos da bebida alcoólica nunca atraíram muito o fisioterapeuta Luigi Sanci, 25 anos, que raramente chega perto de um copo. “Não quero ficar enjoado e ter a sensação da ressaca e da perda de controle”, explica (//Arquivo pessoal)

    Um outro fator que acaba por reduzir o consumo tem raízes em um traço comum dessa geração: ela sai menos de casa por viver imersa nas redes — o que em graus excessivos naturalmente preocupa os especialistas. “Em vez de ir para a balada, eles passam a noite conversando em chats. Essa falta de interação cara a cara é marca de uma época e pode ser danosa”, alerta Hugo Ferreira Monteiro, especialista em neuropsicologia e autor de A Geração do Quarto. Num gesto que vai na contramão, o estudante Marcus Possidonio, 23 anos, abstêmio convicto, não raro deixa o celular de lado e faz programas vespertinos altamente analógicos. “Gosto de ver filmes e de jogos de tabuleiro”, conta o estudante, que, sim, tem amigos que bebem, mas não muito. Os corações e mentes desses jovens, definitivamente, funcionam melhor à luz do dia.

    Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900

    Publicidade

    Publicidade
    Imagem do bloco

    4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

    Vejinhas Conteúdo para assinantes

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    a partir de 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

    a partir de 39,96/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.