Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana

Mostra no MoMA celebra o desenho das cadeiras modernistas

Elas foram símbolo de mudanças no Brasil e em toda a América Latina

Por Simone Blanes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 3 jun 2024, 16h53 - Publicado em 13 abr 2024, 08h00

Sente-se e leia com calma o que vem a seguir, porque as cadeiras são um modo de entender o caminhar da civilização — servem de gatilho para traduzir a explosão do novo, o ritmo das escolas de arquitetura, o permanente atrito entre o que parece ter ficado no passado e o que se desenha para o futuro. Uma extraordinária exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA — Crafting Modernity: Design in Latin America, 1940-1980 —, é um convite, até meados de setembro, para conhecer o cotidiano doméstico, como quem se aboleta em cima de quatro pés, de lares de famílias da Argentina, Chile, Colômbia, México, Venezuela e Brasil, é claro. É o recorte histórico de um tempo fascinante, de grandes transformações. Um período, no pós-guerra, de industrialização, de troca dos importados pelos produtos locais, de descoberta de materiais inovadores. Nas salas da mostra há também mesas, camas, armários, pôsteres e fotografias, a vida como ela era, e cujos ecos ainda nos assombram com elegância — mas nada tira o centro das atenções das cadeiras e poltronas, insista-se. E os outros objetos que se virem para conquistar alguma relevância.

Mas por que as cadeiras? O filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007) tinha uma pista. Para ele, os assentos são as peças que mais retratam as relações humanas, a conversa, a sociabilidade, o ambiente. “A configuração do mobiliário é uma imagem fiel das estruturas familiares e sociais de uma época”, escreveu. As cadeiras servem para tudo — inclusive para sentar, em casamento de forma e função, na celebrada fórmula intuída pelo arquiteto americano Louis Sullivan (1856-1924). Já não bastava postar-se ereto, como sugeriam os tradicionais e formais modelos de influência europeia — o moderno pedia leveza, beleza e produção em grande escala. Os exemplares do MoMA são como um manifesto cultural — e, por que não, político. Ninguém melhor do que a arquiteta italiana radicada no Brasil, Lina Bo Bardi (1914-1992), para costurar a prosa. Ela é um dos destaques do evento — tido como um dos mais interessantes de Nova York, agora.

Lina aparece com duas peças — a Bowl, de 1951, tigela de plástico e espuma, e o Tripé de Ferro, de 1958, além de imagens da Casa de Vidro, sua residência em São Paulo (dá para visitá-la). Não é preciso esforço para perceber o espanto provocado por aqueles desenhos nos idos dos anos 1950, de rompimento com o classicismo rococó que vigorava, como quem transformava Ouro Preto em Brasília enquanto João Gilberto dedilhava no violão, dizendo “chega de saudade” de mãos dadas com Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Uma frase de Lina resume a ideia: “Temos essa convicção, e estamos persuadidos, de que uma cadeira caipira de grumixaba e tábua é mais moral e importante do que um divã de babados de estilo francês”. É.

VIRADA - Os assentos de Sérgio Rodrigues (à esq.), Paulo Mendes da Rocha (à dir.) e Martin Eisler: adeus ao antigo rococó
VIRADA – Os assentos de Sérgio Rodrigues (à esq.), Paulo Mendes da Rocha (à dir.) e Martin Eisler: adeus ao antigo rococó (Fotos/Divulgação)

Para um brasileiro, a Crafting Modernity é passeio histórico e nostálgico. Há Lina, para quem “inventamos a arquitetura apenas subindo uma escada, atravessando uma sala, abrindo uma porta ou sentando numa cadeira”, mas há muito mais. O arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1918-2021) tem lá a icônica Paulistano. Sérgio Rodrigues (1927-2014) desponta com a Cadeira Mole e a Niemeyer, homenagem às curvas sensuais e elegantes do criador de Brasília ao lado de Lúcio Costa. Martin Eisler (1913-1977), austríaco radicado no Brasil, é representado pela Costela de Adão. Não poderia faltar a namoradeira de Zanine Caldas (1919-2001), esculpida em um tronco de árvore, incentivo ao bate-­papo “apertado assim, colado assim, calado assim / abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim”.

Continua após a publicidade

É interessante perceber agora, olhando para a coleção, um capítulo da civilização que nos trouxe até aqui. “O design era a arte do futuro porque trazia elementos artísticos aliados a uma fabricação em maior escala” diz o historiador Jayme Vargas, coautor do livro Horizonte Ampliado (Editora Olhares). Não por acaso, muitas das cadeiras podem ainda hoje ser vistas em casas e consultórios. “Era a arte mais acessível e democratizada para um número maior de pessoas”, afirma Vargas. Na imprensa americana, o contato com os móveis latino-americanos tem o dom de uma descoberta. Há quem a compare ao susto dos anos 1960, quando os americanos foram apresentados aos desenhos do dinamarquês Arne Jacobsen (1902-1971) e do americano Charles Eames (1907-1978), criadores de assentos que brotam hoje em qualquer botequim pé- sujo, mas que representaram uma revolução. “Não consigo me lembrar da última vez que cobicei tantas cadeiras lindas”, escreveu Michael Kimmelman, crítico de arquitetura, para o The New York Times.

As descobertas tardias — para quem não cresceu pelas bandas de cá — merecem celebração. “As cadeiras produzem memórias afetivas e contam frações de um tempo para as futuras gerações”, diz Jader Almeida, premiado designer e arquiteto brasileiro. Ah, como sentávamos bonito, e assim traduzíamos o Brasil.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2024, edição nº 2888

Publicidade

Imagem do bloco

4 Colunas 2 Conteúdo para assinantes

Vejinhas Conteúdo para assinantes

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (menos de R$10 por revista)

a partir de 39,96/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.