Em Londres, uma festança regada a tequila e repleta da nata da nata no exclusivo clube Oswald’s marcou o 50º aniversário de Victoria Beckham. Entre os convidados, estrelas como Tom Cruise, Eva Longoria e Salma Hayek, além, é claro, do marido e ex-jogador de futebol, David Beckham, e dos quatro filhos do casal, Brooklyn, Romeo, Cruz e Harper. Quem mais fez barulho, porém, foram as ex-companheiras de carreira musical: as Spice Girls Geri Halliwell, Melanie Chisholm (Mel C), Emma Bunton e Melanie Brown (Mel B), parceiras no fenômeno pop dos anos 1990. Quando um vídeo da reunião, com uma performance improvisada do hit Stop, foi postado na internet, instantaneamente virou trend topic. Era a celebração de uma figura interessantíssima, ícone de um tempo, mas sobretudo o aval de uma transformação: Victoria virou estilista, e das mais cobiçadas.
Pode-se dizer que, ao sair do mundo da música, a ex-cantora — que sempre dividiu os holofotes com as colegas de grupo — fez história também no universo fashion. E não à toa: a inglesa tem talento e já é internacionalmente reconhecida pelos desenhos de suas roupas, com direito a desfiles reverenciados em Paris, na semana da moda mais prestigiada do planeta. “Me sinto abençoada por ter alcançado esse marco não apenas como mulher, mas também por ver quão longe minha marca de moda chegou”, postou. Os números da fama não a deixam mentir: enquanto as ex-Spice somam entre 1 e 1,6 milhão de seguidores nas redes sociais cada, a senhora Beckham tem mais de 33 milhões, e contando.
Filha de uma cabeleireira e um engenheiro, ela teve uma infância confortável na cidade de Harlow. Descendente do pintor alemão Carl Heinrich Pfänder, antes interessou-se mais pela arte da dança do que pelo pop rock. Sempre elegante, foi logo apelidada de Posh Spice ao fazer sucesso com a banda de meninas — posh é a gíria em inglês para “elegante, requintada”. O bom gosto ao vestir-se a distinguia das outras integrantes do grupo, que apelavam para roupas coloridas e espalhafatosas. Victoria apostava em looks limpos, com cores neutras, silhuetas ajustadas e saltos altíssimos. Era o prelúdio da grife que criaria mais tarde. “Ela sempre se destacou mais pelas roupas do que pela música em si”, diz Brunno Almeida Maia, pesquisador de moda da Universidade de São Paulo (USP).
As Spice Girls se separaram em 2000, e, como as outras, Victoria até tentou carreira solo, mas logo percebeu que tinha outra vocação. Colaborou com marcas de luxo, foi embaixadora da Dolce&Gabbana e desfilou para Roberto Cavalli. Em seis anos, fundou uma linha de jeans e escreveu um best-seller com dicas de etiqueta visual, com mais de 400 000 exemplares vendidos. A marca que leva seu nome nasceu em 2008 e, desde o princípio, pautou-se por trajes sofisticados, de alfaiataria, e traços minimalistas. Não foi preciso muito esforço para virar objeto de desejo de gente influente, como a editora de moda Anna Wintour, da top model Miranda Kerr e de estrelas do cinema, caso de Kate Winslet e Cameron Diaz.
Em 2011, a estilista expandiu a atuação com linhas separadas de jeans, óculos e perfumes, sendo premiada como marca de design do ano no British Fashion Awards e estreando na Semana de Moda de Nova York. Os aplausos dos colegas e designers ecoaram ainda mais forte que os likes das celebridades e fãs. Em 2017, ela recebeu a Ordem do Império Britânico pelos serviços prestados à indústria do estilo e, nos anos subsequentes, passou a desfilar suas peças com barulho e ótimos negócios.
Victoria, tudo somado, é retrato de uma tendência: o casamento entre estilo e música. Madonna, sempre ela, navegou por essas águas, de mãos dadas com Jean Paul Gaultier. A diva até tentou lançar uma marca, a Material Girl, em parceria com a filha, Lourdes Maria — exemplo seguido por gente como as cantoras Rihanna e Avril Lavigne. Nenhuma delas vingou como Posh, hoje sinônimo de elegância. “Faço moda há mais tempo do que canções”, diz ela. Ainda bem. E sempre com discreta e firme presença. Vale, como retrato de quem ela é, ver e rever a adesiva cena do documentário Beckham, da Netflix, em que, simplesmente sexy, põe a mão no ombro do marido e juntos dançam Islands in the Stream, de Dolly Parton e Kenny Rogers. Victoria é chique demais.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890