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Nasce um novo pai: pesquisas indicam uma revolução masculina

Elas apontam que os homens estão cada vez mais presentes na vida dos filhos, repartindo (de verdade) com as mulheres as tarefas de cuidar e de educar

Por Duda Monteiro de Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Mafê Firpo Atualizado em 12 jul 2024, 12h24 - Publicado em 12 jul 2024, 06h00

Já faz tempo que, ao menos nos lares mais esclarecidos, o cuidado e a educação dos filhos deixaram de ser função exclusivamente da mulher. Por força do movimento feminista, dos empurrões na direção da igualdade de gêneros e da inserção delas no mercado de trabalho, as incumbências do parceiro ganharam nova definição, fazendo emergir um outro tipo de pai — mais presente, mais cuidadoso e mais atento. Um dos resultados dessa transformação de pensamento está refletida no aumento da guarda compartilhada no Brasil: segundo recente pesquisa do IBGE, entre 2014 e 2022 houve um crescimento de quase 40% no número de casais que, ao se separar, optam por dividir meio a meio todas as responsabilidades pelos filhos — situação em que eles deixam de ser “ajudantes” da mãe, arregaçam as mangas e põem a mão na massa da criação dos rebentos.

A legislação brasileira estabelece, desde 2014, a guarda compartilhada como regra, independentemente do consenso entre os genitores. “Todos os pais que se separam têm o dever de dividir a responsabilidade igualmente. Eles não podem abandonar seus filhos material nem afetivamente”, diz Rolf Madaleno, diretor do Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM). A norma, no entanto, se aplicava mais ao aspecto financeiro do que ao afetivo — situação que está mudando, com o aumento das horas e dias que as crianças passam com o pai. Essa divisão igualitária é cada vez mais comum no Brasil e em outros países. Nos Estados Unidos, um estudo publicado no periódico Demographic Research mostrou que a parcela de divórcios que resultam em guarda amplamente compartilhada saltou de 13% até 1985 para 34% no início da década de 2010. Na Suécia, além de compartilharem responsabilidades, os pais procuram parcelar igualmente o tempo das crianças —a dinâmica já é realidade em 42% das famílias que vivem em mais de uma casa. Foi esse sistema que o especialista em marketing Marcelo Bentes, 52, adotou quando se separou, em 2013, para não perder o convívio com as filhas. “Precisei disso para criar um laço afetivo forte com elas. Sempre as escutei, dei minha opinião e participei ativamente de processos decisivos, como troca de escola”, afirma Bentes, satisfeito com a boa relação que construiu com as meninas, hoje com 19 e 21 anos.

Conectar-se com os filhos pode ser uma experiência profundamente transformadora e de amadurecimento para os homens, com impacto inclusive na fisiologia masculina. Lançado em maio, o livro Father Time: A Natural History of Men and Babies (O tempo do pai: uma história natural de homens e bebês), da antropóloga Sarah Blaffer Hrdy, explora as evidências científicas de que eles são capazes de desenvolver uma espécie de instinto paterno — a contrapartida do célebre instinto materno. Os homens pesquisados, todos adeptos da convivência constante com seus pequenos, apresentaram mudanças hormonais como queda da testosterona e aumento da ocitocina (chamada de “hormônio do amor”) e da produção de prolactina, responsável pela lactação das mulheres. “Essas alterações só ocorrem quando há uma proximidade real com os bebês. Hoje vemos que homens são tão capazes de cuidar quanto as mães”, disse a antropóloga a VEJA.

SINTONIA - O lutador Flávio Figueiredo, 41 anos, morava nos Estados Unidos quando se separou e, ao voltar para o Rio de Janeiro, decidiu trazer consigo o filho Matheus, hoje com 14 anos, que cria sozinho há dez anos. “Ele, que é autista, sempre foi mais ligado a mim do que à mãe”, diz Figueiredo, que se desdobra para dar conta de todas as atividades do adolescente.
SINTONIA – O lutador Flávio Figueiredo, 41 anos, morava nos Estados Unidos quando se separou e, ao voltar para o Rio de Janeiro, decidiu trazer consigo o filho Matheus, hoje com 14 anos, que cria sozinho há dez anos. “Ele, que é autista, sempre foi mais ligado a mim do que à mãe”, diz Figueiredo, que se desdobra para dar conta de todas as atividades do adolescente. (./Arquivo pessoal)

A ascensão de uma nova paternidade está diretamente ligada ao questionamento do significado da masculinidade. Características como ser afetuoso e sensível, vistas no passado como femininas, são cada vez mais incorporadas por eles. O psicanalista Thiago Queiroz, 42, quebrou um ciclo que se repetia em sua família quando decidiu mergulhar de cabeça na paternidade. “Meu pai sempre foi uma figura de autoridade, responsável por colocar comida na mesa. Não tive referência de carinho e quis ser totalmente diferente”, diz Queiroz, pai de quatro rebentos com idade entre 2 e 11 anos. “Fui completamente transformado. Antes de ter filhos, mal sabia o significado da palavra empatia”, completa. “Além de trazerem segurança e acolhimento para as crianças, pais presentes descobrem coisas sobre si mesmos. Muitos acessam um lado lúdico e criativo que estava adormecido”, ressalta a psicóloga Joselene Alvim, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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Além dos benefícios para os homens e para a prole, o conceito contemporâneo do que é ser um pai presente tem importantes reflexos na vida das mulheres, historicamente sempre sobrecarregadas com jornadas duplas ou triplas (casa, trabalho e filhos). “Há um processo de mudança em curso. Hoje eles aprendem que devem ser muito mais participativos. Alguns chegam até a assumir uma paternidade solo, algo impensável antigamente”, diz a socióloga Lidia Valesca Pimentel, pesquisadora do Observatório da Violência contra a Mulher da Universidade Estadual do Ceará. O lutador Flávio Figueiredo, 41, vive há quase dez anos sozinho com Matheus, 14. “Morava nos Estados Unidos quando me separei. Decidi trazer o Matheus comigo para o Brasil. Ele, que é autista, sempre foi mais ligado a mim do que à mãe”, conta Figueiredo, que divide seu apertado tempo entre trabalho e terapias e atividades para o garoto. Para Pimentel, o cenário é otimista: “Estamos finalmente superando a divisão injustificada dos papéis dentro de uma família e descobrindo que todos devem se dedicar à formação da criança”. Tomara que a novidade se espalhe rapidamente.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2024, edição nº 2901

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