A atriz Sofía Vergara, colombiana radicada nos Estados Unidos, não poderia ser mais incisiva: “Martha Medeiros entrou na minha vida sorrindo como uma das mulheres mais criativas e fascinantes que conheço. Ela é uma artista revolucionária”. O comentário faz parte do prefácio da biografia Do Sertão a Hollywood (Matrix), escrita pela jornalista Eliane Trindade. É o relato de vida da carismática e bem-sucedida estilista nascida em Alagoas. Martha é um caso vencedor de empreendedorismo, transformação social e conquista do mercado fashion internacional. Sim, ao atravessarem fronteiras, as criações da estilista fizeram o mundo se render à renda brasileira — com o perdão do trocadilho.
Desde o início da carreira, a alagoana valoriza o trabalho artesanal. Uma arte que, ela faz questão de frisar, não é só dela, e sim de todas as rendeiras do sertão nordestino. “O que eu fiz foi colocar a palavra ‘moda’ na renda, que antes era vista como aquela coisa de tia-avó solteirona”, disse a VEJA. “Nós a devolvemos ao lugar de onde nunca devia ter saído, o da nobreza.” A tradição, repaginada pela estilista, deitou raízes cedo em sua trajetória. Martha começou vendendo roupas de boneca em uma barraca de feira e, desenvolvendo novos modelitos para gente como a gente, agregou valor ao produto, abriu um amplo mercado consumidor e impulsionou um modelo de negócios que resgatou e valorizou as rendeiras. “Era vergonha usar uma roupa de renda no Nordeste, mas agora elas estão orgulhosas do que fazem”, diz a estilista, que chegou a ter mais de 400 desses profissionais atrelados à sua marca.
De renda em renda, inclusive financeira, Martha transformou a vida dessas mulheres, que, assim como ela, foram feirantes e sacoleiras. Persistente, chegou a trabalhar numa agência do Banco do Brasil, onde improvisou uma lojinha no banheiro, antes de tentar a sorte em São Paulo. “Meu sonho era vestir a Luciana Gimenez”, revela. Na década de 1990, a moda fervilhava por novidades, mas Martha não emplacou suas ideias de cara. Munida de algumas peças, procurou uma badalada assessoria de imprensa, só que foi dispensada com o conselho de voltar para sua terra com “suas roupas coloridas de feira”. Fez o contrário. Apostou em sua lábia de negociante, sem nunca perder a fé nas conquistas. E foi assim que se apresentou a fornecedores, parceiros… e artistas.
Funcionou. Martha abriu sua primeira loja na capital paulista e arrebanhou clientes até vestir famosas como Xuxa, Ivete Sangalo e a própria Luciana Gimenez, a quimera enfim alcançada.“Eu falava que ia com fogo no rabo, mas a minha mãe disse que não era chique”, ri. “Então, digo que vou com brilho nos olhos e consigo tudo o que quero.” O pulo do gato, como convém aos novos tempos, veio pelo Instagram, em 2015, quando uma moça falando portunhol entrou em contato com sua loja. Era ninguém menos que Sofía Vergara. A atriz queria que a estilista fosse a Los Angeles fazer seu vestido de noiva. Depois de muita negociação, a brasileira embarcou, levando duas assistentes. Hospedou-se na suíte do hotel Beverly Wilshire, hotel onde foi gravado o filme Uma Linda Mulher (outro sonho realizado), e bateu asas para voar. Diz ter viajado com seu “olhar de fita métrica” e criou o modelo no corpo da estrela.
Estava aberta a porta de Hollywood. Com a ajuda de Sofía, com quem firmou laços de amizade, abriu uma loja em Los Angeles, atraindo nomes como Jessica Alba e Elizabeth Hurley, além de Beyoncé, que se entregou às rendas e projetou mundialmente o tecido em seus videoclipes. O êxito pode ser medido em cifras: graças a Martha Medeiros e outras grifes nacionais, a moda brasileira vem ampliando sua participação no exterior. Em 2022, o setor de confecções exportou 1,14 bilhão de reais, muito acima do esperado. “Tem o dedo da Sofía aí”, diz a estilista.
Sim, tem. Mas o interesse é resultado de produtos de extrema qualidade e estratégias de marketing inteligentes. Uma das mais inusitadas envolveu o papa Francisco. Ao saber da visita do pontífice ao Brasil, em 2013, Martha deu um jeito de assinar a decoração de sua residência no Rio. Não contente, conseguiu uma foto com ele, com uma máquina fotográfica que tinha escondido em uma marmita e jogou nas mãos da freira que os acompanhava. “Essas coisas só acontecem comigo porque Deus é meu sócio”, brinca. “A Martha consegue muita coisa pelo jeito dela, mas também tem um trabalho muito consciente”, ecoa Eliane Trindade, autora da biografia. E seu novo projeto está em curso: transformar a renda em obra de arte, com direito a uma escola no sertão. “Só sossego quando ela estiver nas melhores galerias do mundo”, diz. Quem duvida?
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2023, edição nº 2869